Luis Ferreira
Ano Novo, roupa velha
Sentado no espaldo sossegado do sofá da sala, não me motivou, nem o tempo, nem a folia, para saídas nocturnas mais complicadas, à procura de uma farra em que as iguarias e a música se impusessem aos gostos de cada um, à mistura com um bulício anormal no último dia do ano. Com a família e só, esperámos pelas doze badaladas, acompanhando as novidades que os vários canais televisivos iam vomitando, cada um à sua maneira, onde íamos apercebendo que nem tudo ia bem neste final de 2015.
Se alguma certeza podemos adiantar é a de que a segurança imperou por todo o lado, tentando impedir que algum tonto se lembrasse de se autodestruir mesmo no último dia do ano, levando consigo mais uns quantos à procura da terra do leite e mel a que alguns pensam ter direito através de uma simples imolação. Coitados! Felizmente que nada de semelhante aconteceu, mas tentar alguém divertir-se e passar o tempo à espera de que algo pudesse surgir, não é o modo de pôr im ponto final agradável a um ano de sacrificios e mortes.
Por cá sossegou-nos a ministra da Administração Interna ao comunicar que não haveria problemas e que o nível de segurança se mantinha igual, fazendo crer que nós, povo simpático e afável, estaria bem longe das ideias suicidas de algum jhiadista. Claro que todos sossegámos e o que interessava era cada um divertir-se à sua maneira e onde pudesse e foi o que fizeram. Eu, claro, na minha casa e longe dos atentados, fossem eles quais fossem, mas não distante das tentações habituais destes dias em que queremos fazer despedidas e expressamos entradas melhores, enroladas em promessas muito boas que por sua vez vêm embrulhadas em outras ainda melhores.
Ano após ano, o ritual é sempre o mesmo ou muito parecido. Livramo-nos de um ano que apelidamos sempre de ingrato e desejamos outro repleto de coisas boas que nos façam esquecer as más que deixamos para trás. Mas o pior é que as más não nos largam só porque nós queremos e as boas não aparecem simplesmente porque as desejamos.
A verdade é que muitos gostariam de se livrar da política de austeridade, mas não é possível, outros queriam mudar o governo, mas ainda agora foi escilhido um novo, outros gostariam de ver o salário mínimo em 600 euros, mas foi aprovado um bem mais baixo, outros não gostariam de ter de pagar as dívidas dos bancos, mas vão ter de as pagar, outros gostariam de continuar a ver o Paulo Portas na liderança do CDS, mas vão ter de esperar para ver quem o substituirá, outros gostariam de ter visto o Sporting em primeiro pelo Natal, mas tiveram de esperar pelo Ano Novo, ainda outros queriam ver o Benfica como líder, mas não vai ser fácil tão depressa este ano. Enfim, e que mais desejamos? Parece que afinal, as velhas procupações nos vão acompanhar neste novo ano.
Como sempre acontece, despedimo-nos do ano velho e desejamos coisas novas, mas não conseguimos comprar toda a roupa nova para mudarmos o nosso visual. A verdade é que o habito não faz o monge, mas uma roupinha nova sabe bem experimentar, até porque nós somos todos um pouco vaidosos. Apesar de tudo e mesmo expressando algum pessimismo, penso que neste Ano Novo sempre iremos ter direito a alguma roupa nova, felizmente. Estou convencido de que pelo menos até maio ou junho algumas coisas novas surgirão, mas o mesmo não se pode preconizar para a segunda metade do ano, pois alguma roupa velha irá continuar a perseguir-nos e esta é um mau presságio para quem esperava poder pôr uma gravata nova.