Alexandre Parafita
As botas rotas de Salazar
Filho que sou de um militar da GNR, dos antigos, alinhado quanto baste com os cânones do Estado Novo, amiúde me falava das botas rotas de Salazar, insinuando que os “grandes homens” serão ainda “maiores” quando mostram não terem vergonha de ser pobres, ainda que o não sejam.
Se as botas rotas eram uma estratégia de marketing de um regime que aclamava o conformismo dos humildes, ou simplesmente o status quo de um “unhas de fome”, ao jeito do apodo que outrora os povos vizinhos atribuíam aos de Sabrosa, a minha terra, (“sapato engraxado e o pé na poeira”), nunca o consegui perceber. Percebi sim que nesta deificação da pobreza, o meu pobre pai, mal os filhos foram emergindo como cogumelos, não teve remédio senão desenterrar a enxada, e, nas horas livres, vergar-se sobre a terra em busca do sustento para os seus que o salário de miséria que o Estado Novo lhe garantia não comportava.
Certamente, se ainda por cá andasse, o quão não ficaria assombrado perante as milionárias e indecorosas subvenções vitalícias que o Estado português atribui mensalmente a mais de três centenas de políticos, ex-governantes e deputados da nossa era. Há quem ultrapasse os 13 mil euros por mês. Alguns adquiriram o direito a essa “esmola” do erário público ainda em plena juventude, pouco ou nada tendo produzido para o Estado. Alguns, já reformados, acumulam-na com as suas chorudas reformas. No geral, custam mais de meio milhão por mês ao bolso dos contribuintes, num país que é hoje um dos mais pobres da Europa com um quinto da população em situação de pobreza ou de exclusão social.
E, paradoxalmente, alguns são até fervorosos democratas (!); leia-se… amigos dos pobres, dos mais desfavorecidos, e que não hesitam em trombetear os seus historiais de luta antifascista, como porta-voz dos mais desamparados da sociedade.
in JN, 1-7-2022