Barroso da Fonte
As Forças Armadas servem para tudo
Na minha geração os mancebos que não tivessem padrinhos influentes, nem o pé raso. Eram transportados, como requinhos do Alentejo para leitões, na Mealhada ou para os enchidos dos Moutados. Os militares de carreira que optavam pelo profissionalismo, quer como sargentos, quer como oficiais subalternos, superiores ou generais. Em boa verdade, não eram eles que combatiam. Limitavam-se a ser comandantes de pelotão, de companhia, de batalhão e de aquartelamentos.
A classe de sargentos comandava apenas secções. Os soldados e cabos, depois de jurarem bandeiras, permaneciam nos quartéis, para fazerem a segurança, como sentinelas, manutenção de viaturas, cozinheiros, lavandarias, etc. Em tempos de paz, ser militar de carreira, era um luxo e um privilégio, sobretudo para os filhos dos militares que começavam como pupilos do Exército e ingressavam, depois,nas Academias, ostentando as divisas, os galões ou as estrelas que reluziam nos peitos medalhados, com as condecorações que somavam, com louvores de vários níveis. Os capitães distribuíam louvores ao nível de Companhia, os Coronéis reviam e, quase sempre, subiam a parada , enquanto os Generais reforçavam, a ponto de, ao longo das carreiras de cada um, não haver espaço livre nas fardas de gala para ostentarem tantas medalhas e medalhões.
Falo da minha geração porque foi, como tinha sido a anterior, cujos palcos de guerra tinham sido as praças de Goa, Damão e Diu: mortandade em série, para não dizer: carne para canhão. As estatísticas falam em mais de nove mil mortos, para além das muitas centenas de feridos graves, mesmo não contando com aqueles que adoeceram depois, com o paludismo, cegueira, surdez, stress pós traumático, e outros.
Foi uma geração desgraçada, contra a qual se fez a revolução que já tardava, mas cuja justificação foi ingrata, inoportuna e traiçoeira. Nunca foi dada a essa geração de soldados e de milicianos, nem voz, nem direito de antena, nem o recurso ao contraditório. Porque, salvo casos raros, desses nove mil mortos e deficientes foram soldados (filhos do verdadeiro Povo) e milicianos que abandonaram os seus cursos, retardaram a constituição de famílias, perderam na contagem desse tempo de serviço para a contagem da reforma. Muitos anos depois, a muito custo, houve um governo que produziu a lei que permitia aumentar esse tempo, mediante o recurso a processos que assustavam, sobretudo os emigrantes, que temiam perder a reforma dos países em que passaram a trabalhar.
Trago este tema ao diálogo com os leitores porque fui o autor da ideia da construção do Monumento aos Combatentes do Ultramar, inaugurado em 15 de Janeiro de 1994 e, como Presidente da Direção da Associação Nacional dos Combatentes do Ultramar, juntamente com dirigentes de outras associações, em conversações com os ministros da Defesa e da Segurança Social, conseguimos, parcialmente, algumas das medidas reclamadas. Logo que esses governantes foram rendidos, anularam e prometeram o que nunca mais fizeram.
Magoados como estão, os combatentes do ultramar têm razões de sobra para se marimbarem para o desprestígio da classe. Mas não é esse o seu espírito. Não concordam que, tal como na guerra real, seja a raia miúda das Forças Armadas, sem preparação específica, a envolver-se na pandemia que pode vir a ter tantas vítimas como na guerra do Ultramar. Também alguns desses, desesperados pela falta de emprego, se arriscam ao voluntariado que dá tudo sem contrapartidas. Esses voluntários são cobaias para as aflições públicas. Mas quem na vida real, faz figura e colhe os louros do possível sucesso, são aqueles que recebem as honrarias de quem os mandou para a arena do combate.
No oportuníssimo artigo do T. Coronel Brandão Ferreira desfavorável ao que se anuncia na caserna das unidades militares, diz-se: « é que o Exército Português não tem hoje, capacidade de fazer tal coisa! Em primeiro lugar porque as unidades referidas já não existem, e as que as podiam substituir no Norte, ou seja os Regimentos de Infantaria de Chaves, Vila Real, Aveiro e Regimento de Cavalaria de Braga, não devem ter, por junto, mais de 600 efetivos (entre oficiais, sargentos, praças e civis), nos dias bons…
Mas o cúmulo da insensatez e do delírio veio, quando agentes policiais quiseram identificar elementos de uma patrulha da Polícia do Exército, integrada numa equipa de outros militares que efetuavam uma desinfestação num lar, em Vila Real, no pretérito dia 28 de Março. Nomeadamente por estarem armados!
Barroso da Fonte