Luis Ferreira

Luis Ferreira

As golas do enforcamento

Normalmente quando alguém se quer enforcar, não compra qualquer tipo de golas e nem sei sequer se as há para esse efeito. Possivelmente não há. O método de enforcamento é completamente diferente e também ninguém vai pedir instruções seja a quem for, para se enforcar. Quando alguém quer cometer esse tipo de atrocidade individual, fá-lo sozinho e em completo silêncio. Só os condenados à morte por crimes cometidos subiam ao cadafalso perante a multidão silenciosa e estupefacta, que assistia quase incrédula, à execução do criminoso a quem colocavam previamente, uma grossa corda à volta do pescoço.

Podemos dizer então que havia dois tipos de enforcamento: um por crime e outro por iniciativa própria. Infelizmente, este último ainda subsiste em grande escala, mesmo em Portugal e com alguma preponderância no Alentejo. Talvez a cobardia esteja na base de tal iniciativa. A fuga a responsabilidades e o medo de encarar consequências, leva a este tipo de atitudes inqualificáveis e desnecessárias.

Mas a verdade é que há casos em que não sendo a cobardia a mover situações destas, elas acontecem quase sem querer ou sem se esperar e até sem se saber quem vai sofrer as consequências ou ser enforcado. E que motivos estarão na base de tal castigo.

Ficámos bastante admirados quando no início da época dos incêndios surgiram notícias a referir a aquisição por parte do governo, de golas antifumo ou antiígnias ou anti qualquer coisa, que as pessoas deveriam colocar no pescoço para evitar morrerem asfixiadas ou mesmo queimadas e que foram distribuídas pela população mais em risco de enfrentar situações em presença de incêndios. Lembramo-nos bem do que então se divulgou e da importância que isso teria para as populações. O governo enalteceu a sua própria ação que seria de louvar se por trás dela não houvessem rabos-de-palha para atiçar mais os incêndios no futuro.

As investigações que se seguiram sobre o processo de aquisição dessas golas antifumo que foram financiadas pela União Europeia em cerca de dois milhões de euros, levaram à descoberta de um contrato de três milhões de euros onde os intervenientes estavam comprometidos, de alguma forma, com elementos do governo, indiciando atos ilícitos e favorecimento em negócio por quem não deveria. Suspeita de crime, logo castigo dos criminosos.

O que ninguém estaria à espera era do desfecho que tal investigação e relatório final suscitaram. De facto, o ministro da tutela e o secretário de estado, demitiram-se do cargo a semana passada, já que por eles passou o contrato assinado com as cerca de treze empresas fornecedoras das golas e do material que com elas vinha para o mesmo efeito. Mas aconteceu. Enforcaram-se sem contar e com golas que aparentemente serviriam para salvar pessoas. Coisas do destino! Crime e castigo. Li há muitos anos um livro com este título, mas não tinha golas, nem ministros.

Em altura de início de campanha para as eleições legislativas, este episódio não traz benefício algum a Costa e ao PS. Será tema de campanha, certamente. A demissão do ministro e do seu secretário de estado, leva a uma substituição desses elementos e consequentemente à alteração do governo o que significa colocar no governo pessoas a prazo, a muito curto prazo, e que possivelmente, também elas se queimarão, já que não têm golas salva-vidas! O tempo de vigência acaba em Outubro. Pode ser que tenham sorte e Costa possa chamá-los para o novo governo, ou talvez não.

Na verdade, o que se nos apresenta como possibilidade concreta é o PS ganhar as eleições com quase maioria absoluta e isso significa ter de constituir novo governo. Os apoios virão certamente de algum lado. Claro que se perfilam todos os partidos para tirar dividendos dessa oportunidade de completar a maioria necessária ao novo governo. Nele, podem entrar os novos elementos do executivo do Ministério da Administração Interna. Seria uma forma de fugir ao escaldão!

Seja como for e o que daqui para diante se nos apresentar, a campanha trará mais descuidos a público e quiçá, alguns laivos de corrupção acrescida, que é o que neste país mais se vai descobrindo em cada dia que passa. Infelizmente. Para alguma coisa servem as campanhas, quanto mais não seja para descobrir destas situações onde uns e outros se vão enforcando quase sem darem conta, mas que bem podiam contar com isso. Hoje todos são inspetores e investigadores e até acusam e condenam na praça pública os que bem entendem, mesmo sem que os tribunais e a justiça tenham funcionado previamente. Os visados são enforcados em público sem serem condenados. Rui Rio quer acabar com isto. Já o disse e prometeu, se for primeiro-ministro. A comunicação social terá de estar mais atenta a estes pressupostos e ao que escreve, sobrepondo-se aos tribunais e à justiça, sob pena de ser ela a enforcada. E como não tem destas golas, que deixam muito a desejar, talvez não se safe … ou talvez sim.


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