Manuel Igreja

Manuel Igreja

As Leiras e Nacerães

Não sei se vocês conhecem as Leiras. Não. Tirando um ou outro, ou uma ou outra para não ser acusado, não conhecem. Pois só lhes digo então que nem sabem o que perdem por isso.
Elas são um pedaço de chão que se bem medido ainda dá um bom tamanho de medidas, mesmo em hectares, que se mostra sempre muito bem granjeado num primor que leva cada horta ou cada pomar a ser uma boniteza de frutos e de cores.

Como já se percebeu, as Leiras são um lugar. Mas alto lá. Não é um qualquer assim sem nada que valha a pena ver-se ou para se contar. Aquilo tem coisas de se regalar o olhar do mais pintado, e tem história merecedora de ser contada.

Logo a seguir a elas, às Leiras, estende-se o vale de Nacerães também ele um verdadeiro maná de novidades e de cores. Consoante a estação do ano, assim um e outro se apresentam ataviados de verde, de amarelo, de castanho, de avermelhado, e sei lá que mais, num encanto até mais não se poder e de não se parar de apreciar.

Só quem tenha coração de pedra e fígados de gelo é que não se enamora do recanto que os homens ajeitaram em comunhão com a mãe natureza. Pessoa que ande assim numa idade que não seja de meninice e conheça, ainda se lembra de ver as Leiras semeadas de trigo e de milho. A páginas tantas essa moda passou, e hoje em dia aquilo é tudo hortas e pomares. Quem sabe se não foi ali que Eva pecou pela primeira vez.

Como já adiantei, estendendo-se pelo fundo do monte de São Domingos, temos o vale de Nacerães, uma terra que é um mar de vinhas. Surge um ou outro sabugueiro e alguns castanheiros, mas o vinhedo de boas uvas é que conta. Quanto à qualidade da pinga feita a vindima, só lhes afianço que é de estala. Um vinhão, como diz quem aprecia.

Mas volvendo às Leiras neste ponto. As hortas cultivadas quase em esquadria e com esmero dão um toque de verde que mais parece eterno. Não sei até se é, mas que eu sempre ali o vi, juro e trejuro se for preciso. Quando se lhe juntam as cores dos pomares no Outono, aquilo é de lindo de morrer. Nem apetece sair dali daquela migalha que se nos cola aos pés.

O rio Douro está a uma escanchinha de se poder ver, mas nem apetece espreita-lo mesmo que se goste muito de apreciar ali do alto. A capela da Senhora das Aveleiras que antecede o ponto de o vislumbrar, quase que faz uma pessoa não querer mais nada, mesmo que não seja beato de rodopios pela sacristia. Tem um alpendre que puxa mesmo a que na canícula só apeteça um passar pela sesta ao som da passarada que é muita.

Dizem os historiadores que o nosso primeiro rei, Afonso Henriques que em moço morou perto, uma vez ou outra pernoitou na Quinta da Granja ali a dois passos, uma delas pouco antes da batalha que travou com a mãe. Terá ganho por ali forças para a peleja com a progenitora tendo em vista o nascimento do reino. Tudo é possível.

Aproveitando o desenrolar que está a virar para a História, aproveito e digo já agora e também que no vale de Nacerães houve acontecimento digno de relevo e de nunca ser esquecido. Aconteceu que andando os romanos do Imperador Trajano nos cem anos da nossa Era a conquistar tudo o que era território, ali viram-se à nora e tiveram de muito batalhar.

Os Lusitanos que por ali tinham estabelecido cidade farta deram-lhes pela barba e lutaram até mais não poder. Foram derrotados dado o desigual das forças. Em retaliação, os danados dos vencedores da batalha incendiaram a cidade e tudo em seu redor.

Não se julgue que isto é só lenda de encantar. Existem menções escritas do acontecimento. Os próprios anciãos dos meus tempos de rapaz frequentemente aludiam à cidade queimada. Mas isso são contas de outro rosário.

Neste, o que conta são as Leiras e Nacerães. Um jardim por quem choram as meninas dos meus olhos mediante aquele excesso da Criação ajeitado pelo labor dos valentes que cuidam do remexer na terra mais do que do viver. São modos de sentir.


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