Alexandre Parafita

Alexandre Parafita

As noivas da floresta

Sou ainda do tempo em que os incêndios nos montes eram coisa rara. Cresci numa aldeia transmontana, onde, mal se avistava um fogo, o sino tocava a rebate e logo ia sobre ele um formigueiro de gente, mulheres com canecos de água, homens com sacholas e vassourões improvisados de estevas e giestas… e tudo se apagava enquanto o diabo esfrega um olho. Ninguém chamava os bombeiros, julgo até que nem os haveria. Tempos irrepetíveis, é claro. A natureza tinha outra harmonia. A humanização das montanhas, o pastoreio com os rebanhos desbastando as ervagens densas, o mato roçado pelos lavradores para as camas do gado que o curtia para depois fertilizar os campos, os lareiros e fornos a lenha em todas as casas que impunham um permanente rebusco e patrulhamento dos pinhais… era outra realidade. Dela ficou quase nada. Quando muito, o martírio das memórias.

Mas os tempos mudaram, bem se vê. E realidades novas impõem estratégias novas. A floresta e os seus recursos continuam a representar uma das maiores contribuições para o PIB nacional. Abandonar a floresta ao flagelo dos incêndios é desistir do país. O melhor caminho é combater pela base o flagelo, especialmente quando começa a estar à vista que os grandes beneficiários da floresta já não são os que estão ligados à geração da riqueza que ela representa, mas os que estão ligados à destruição do seu valor – um fenómeno percetível na vastidão de interesses que vivem hoje da existência do fogo.

E combater pela base passa por dar voz à ciência e ao conhecimento. Há que ouvir as universidades que estudam a fundo este fenómeno e teimam em procurar as melhores soluções para limitar, futuramente, o flagelo. Realço as palavras recentes de Paulo Fernandes, investigador da UTAD, ao apontar como caminho, nas ações de reflorestação do território, a aposta no que chama “árvores bombeiras”, espécies florestais que não só resistem ao fogo como também contribuem para travar o avanço das chamas. E destaca várias espécies: o castanheiro, o sobreiro, mas especialmente o vidoeiro, cuja seiva os russos usam em vodka e xaropes. Onde estiver esta árvore, o fogo não passa. Por isso, há que criar zonas tampão em posições estratégicas no território florestal. Ainda é visível no Marão (entre Cotorinho e Montes) uma mancha destas árvores que sobreviveu a um famoso incêndio que devastou há anos toda a serra. A casca branca dá-lhes um ar distinto, um porte de singular beleza. Não é por acaso que o povo lhes dá o nome de “noivas da floresta”.

(in JN,8-10-2016)


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