Manuel Igreja

Manuel Igreja

Até nos ricos somos pobres

Segurem-se. Vou fazer uma revelação: Eu sou o verdadeiro dono daquilo que o meu amigo Joe tem. Não do que ele diz que tem que é nada, mas sim de tudo o que ele diz que não tem.
É tudo meu, a não ser as dívidas obviamente. Se não são dele e nem ele as quer, também eu as não quero, pois assim não fico sem nada como ele. Posso não ter a sua estatura nem vestir sempre de preto como ele, mas não sou burro.

Está desfeito o mistério. Não procurem mais, não percam mais tempo e recursos na tentativa de deslindar o labirinto desenhado para esconder o que foi arrecadado na exacta medida com que se pavoneou ufano e vaidoso rodeado de loas e de prebendas.
Não vale a pena. Sou o dono de tudo. Do que é dele, menos do ar arrogante e desesclarecido que ostenta. Também não sou dono dos ares que uns outros tantos de igual forma mostram nesta feira de vaidades em que se vendem bolas de sabão na espuma dos dias.

São muitos sem vergonha e com muita falta de memória. Por isso todo o mundo é seu enquanto escondem o que verdadeiramente interessa. Só mostram e gozam a riqueza exteriormente exibida com tanta lata que bem podem montar um ferro-velho caso assim queiram.

Tudo o resto nada têm. Tenho eu. Desconfio que também vossoria que me lê detém algo do que desapareceu, mas é só um desconfiar. Se não, como explicar semelhante sumiço de tanto e tanto dinheiro? Eu não tenho aquilo tudo. Nem de longe. Tenha santa paciência, mas alguém o há-de ter escondido nem que seja num paraíso daqueles em que só há serpentes.

Seja como for pagámos e bem. Desde há anos. Décadas até. Por altura dos anos oitenta do século passado, arribaram uns figurões que rapidamente substituíram os donos disto tudo. Num repente o dinheiro jorrou em grossos caudais cheios de luras e escorreu para o mundo subterrâneo.

Dados à costa, munidos de olhos de lince e apetites de aves de rapina, brilharam e encantaram na construção de uma sociedade virada para o campanário erguido para as festividades da paróquia. Sem que alguém notasse ou se importasse, medrou o capitalismo sem capital.

Com o século quase a fazer vinte anos, podemos concluir que os nossos ricos mais não são do que abastados de circunstância. Triplicam fortunas a comprar e a vender água com sabão sem que acrescentem valor que fique, que se palpe e que frutifique.
São daqueles merceeiros de lápis atrás da orelha, com todo o respeito por estes que os havia e há de muito valor. Estes de agora, os ricos que temos, desprezam a filantropia, julgam-se mais finos que o alho, mas não enxergam nem a ponta do nariz mesmo que este se lhe aumente como o do nosso querido Pinóquio.

No fundo, somo pobres até nos ricos. Obviamente que existem excepções, mas são raras. Mas agora se me permite tenho de me ir. Sucede que comecei isto a mentir dizendo que era dono disto e daquilo, e o meu nariz não cessa de crescer. Já toca no papel. Afinal sou pobre. Não tenho nada, mas tenho quase tudo. A decência vale ouro.


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