Chrys Chrystello

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Autonomias, independências e pragmatismo (parte 1)

Crónica 239 autonomias, independências e pragmatismo (parte 1) 2.3.2019

Declaração de interesses: sou, desde que me lembro, profundamente independente e independentista, como se comprova pelos meus 24 anos de ativismo em prol da libertação de Timor-Leste.

“…desta falsa espreito à janela por sobre a Bretanha até se deter devagarosamente no meio do oceano, lá onde eu costumava ver a minha ilha mítica, chamada Autonomia, que mais ninguém jamais viu ou anteviu”

Dito isto e sabendo que a independência é o fim último de toda a autonomia, tenho de concordar que a História da Humanidade nada abona em meu favor.

 Lembremo-nos (numa lista não-exaustiva)  do holocausto arménio, da ocupação “ilegal” da Irian Jaya (Papuásia) pela Indonésia, da luta da Frente Polisário[1], da Palestina (5,3 milhões), Crimeia (2 milhões), Ossétia do Sul (Geórgia), Abecásia (Geórgia), Nagorno-Karabah (Azerbaijão),  do Tibete (6,2 milhões), Cabinda, da Caxemira, da Groenlândia,  Bascos (2 milhões), Chechenos (1,2 milhões), dos Curdos ( 36 milhões espalhados pela Arménia, Azerbaijão, Irão, Iraque, Síria e Turquia), os Tâmil no Sri Lanca, os Morávios, os Moldavos da Transdnístria, os Iorubas, os Ogoni e os Igbos da Nigéria, os Sikhs do Punjabi, os Balúchis (do Paquistão, Irão e Afeganistão), os Uigur da China, os Catalães (7 milhões), os Tártaros, os Shan de Myanmar (Birmânia), os Hmong (do Laos, China, Vietname e tailândia), os massacrados Rohingya (de Mianmar, Bangladeche, Paquistão, Tailândia e Malásia), os Naga da Índia, os Canarinhos, os Sardos, Corsos, Tuaregues, os Kalahui Havaianos, Galeses, Galegos, Inuítes (do Canadá, EUA e Dinamarca), Escócia (5 milhões), os Mapuche (Argentina e Chile), Zanzibar (Tanzânia), os aborígenes australianos, os Lapões e os Dacota (Sioux nos EUA), os Quebequenses e tantos outros (Açorianos?) para vermos como há tanta nação sem estado, como há tanta nação sem país, tanto rebelde com causa mas sem casa,

As grandes ameaças na cena internacional levam-nos a ignorar as lutas esquecidas e autonomias adiadas. Tendemos a ver a independência como um dado adquirido, mas ainda existem mais de cinco dezenas de povos que sonham poder vir a decidir o seu destino… A ONU reconhece ainda hoje 16 territórios não autónomos. A saber: Anguila, Bermudas, Gibraltar, Guam, Ilhas Caimão, Ilhas Malvinas (Falkland), Ilhas Turcos e Caicos, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Virgens dos EUA, Monserrate, Nova Caledónia, Pitcairn, Sara Ocidental, Samoa Americana, Santa Helena e Toquelau.

Sabendo que quase todas estas aspirações são legítimas e fundadas, a realidade e o pragmatismo alertam-nos para a situação de países que há 50 anos ou menos conquistaram a sua independência e a sua situação atual…basta olhar para as antigas colónias portuguesas. Os povos podem ter obtido a sua independência das potências coloniais, mas isso não quer dizer que a libertação lhes tenha trazido qualquer melhoria económica. Social, de justiça ou equidade. Nalguns casos, lutas tribais, guerras civis, corrupção, nepotismo e ditaduras trouxeram mais do mesmo e pior ainda do que no tempo colonial. As razões são várias, quer nacionais quer internacionais, com o mundo ocidental ainda a explorar as suas riquezas e a empobrecer estes países independentes, elites dominantes que mais não fazem do que enriquecer-se e aos seus (basta lembrar Angola e Timor-Leste).

Claro que a independência vale sempre a pena, pois agora são os povos independentes quem escolhe os seus algozes dentre os seus. Pensemos por exemplo, que um dia (e esse dia chegará) os Açores se independentizam de Portugal (totalmente ou em federação, isso agora não interessa), o que mudaria? As moscas, e pouco mais. A grande riqueza dos mares, e ares seria espoliada por entre os que detêm o verdadeiro poder económico e nas nove ilhas há muito pouca massa crítica para as gerirem.

Escrevi em 2005 que vim da minha circum-navegação até me radicar na “Atlântida” onde desvendo e divulgo a fértil literatura açoriana catapultadora de autonomias e independências por cumprir. .

Mais tarde em 2012 escrevi ALGUÉM FALOU DE PROVINCIANISMO?

 

Claro que desde o início da minha estadia nos Açores, sempre pautei a minha posição pessoal pela defesa de uma verdadeira autonomia do arquipélago, em vez deste arremedo de autonomia envergonhada em que se vive, dependente do bom humor de quem está sentado na cadeira do poder em Lisboa. Ou como se assiste em 2011-2012 a um esvaziamento de competências decisórias “à cause de la crise”. O centralismo omnipotente no seu melhor, sem respeito pela Constituição nem pelas leis da autonomia… A autonomia tem progredido lentamente, e em casos pontuais, para satisfazer os nativos sem incomodar os centralistas macrocéfalos em Belém, a não ser aquando do novo estatuto de autonomia inicialmente vetado pelo Presidente da República, Cavaco e Silva, que acabaria, contrariado, por promulgá-lo a 29 de dezembro de 2008. Claro que sei, e nisso concordam alguns nativos, que há provincianismo nos Açores e falta massa crítica e intelectual nos Açores de cá, por isso muitos temem a verdadeira autonomia e mais ainda a independência.

Há países bem mais pequenos, sem meios (menos que os Açores) e que são independentes de uma forma ou outra há décadas (estou a lembrar-me de uma dúzia de repúblicas do pacífico sul, entre outros...bastava ver como eles resolveram o problema da distância de milhares de quilómetros entre ilhas). A viver à custa de Lisboa é fácil atirar as culpas para o parceiro do lado, mas as culpas são dos sucessivos governos açorianos que nada fizeram para melhorar este estado de coisas (ao menos o Alberto João Jardim foi à falência, mas fez obra, a que alguns chamam progresso embora se mantenha muita miséria) por que a esses, lhes convinha manter o status quo e menos ainda fizeram para ampliar a autonomia e dar-lhe significado...aceitaram-na como um presente de meninos bem-comportados.

A visão açoriana do mundo é de tal forma paroquial que este arquipélago dificilmente seria independente, nem haveria gente suficiente e com “cojones” para o tentar. É uma utopia pensar nela pois não haveria gente com capacidade de aproveitar a riqueza da zona marítima exclusiva (afinal só foi descoberta agora ao fim de 37 anos de autonomia...) nem as outras potencialidades exclusivas dos Açores (se calhar não dava votos e não se fez nada por causa dessa necessidade que os políticos têm de se agarrarem ao poder através do voto popular). Depois haveria ainda outro problema grave, quase todo o mundo aqui vive de subsídios e nada sabe fazer sem eles...vai ser difícil desabituá-los …. Curiosamente, acusam as 8 ilhas de estarem contra São Miguel da mesma forma que São Miguel acusa Lisboa...a macrocefalia de PDL é igual à de Lisboa salvaguardadas as respetivas escalas.

Se fizessem um referendo, a autonomia perdia esmagadoramente pois é melhor culpar o Governo de Lisboa do que os sucessivos governos regionais e estes mantêm-se como os de Lisboa graças aos seus clientes, deveríamos dizer freguesias pois isto não passa de uma grande freguesia, e quando há desacordo ou é porque eu não sou de cá ou porque tu vives fora e não estás bem informado

… (continua) Para o Diário dos Açores e Diário de Trás-os-Montes

Chrys Chrystello, Jornalista

[MEEA/AJA (Australian Journalists' Association – Membro Honorário Vitalício nº 297713,) carteira profissional AU3804]

 


[1] Frente Popular de Liberación de Saguía el Hamra y o de Oro ("Popular Front for the Liberation of Saguia el-Hamra and Río de OroArabic: الجبهة الشعبية لتحرير ساقية الحمراء و وادي الذهب‎ Al-Jabhat Al-Sha'abiyah Li-Tahrir Saqiya Al-Hamra'a wa Wadi Al-Dhahab


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