Adelino Martins

Adelino Martins

Aventuras dum marujo dos confins de Trás-os-Montes – parte um.

Como queria aprender línguas sozinho, comprei três cursos, usados, dos métodos “Assimil”: ‘o francês, o inglês e o alemão sem custo’, que deviam vir com os respetivos gravadores, mas não vieram.

Tinham a pronúncia figurada e foram-me servindo. Comecei então pelo francês, que ao fim de 8 meses d’estudo, diário e intensivo, adquiri conhecimentos a nível elevado que, quando falava com franceses, pensavam que já tinha vivido e estudado em França. Decorava lições, pois sabia que ficar-me-iam na memória pra sempre, arranjando assim sólido vocabulário. Depois passei pró inglês, utilizando o mesmo sistema que resultou, pois, passados 10 meses, ganhei conhecimentos que ultrapassaram as expectativas; no entanto, quando falava com estrangeiros em inglês, eles entendiam-me sempre, mas eu não os percebia bem a eles; mas claro se escrevessem percebia logo tudo. Na minha unidade tinha muito tempo e depressa passei a dominar o francês e o inglês, com ligeiro conhecimento d’alemão. As raparigas estrangeiras engraçavam comigo, claro eu falava línguas e costumava iniciar as conversas com elas, sem maldade e a brincar. Nesta altura eu já dominava o espanhol, falado e escrito, aliás quando fui prá marinha já o fazia, que depois fui aperfeiçoando e posso dizer que me tornei bilingue. (Muito mais tarde, no Lobito, munido duma máquina d’escrever portátil, fui a bordo dum navio espanhol, que havia tido problemas no alto-mar, ouvir a tripulação pró inquérito. Comecei pelo Capitão, que tinha a seu lado um tripulante galego pra servir d’intérprete. Quando comecei a falar com o capitão, este disse logo, “vate, marcha ya a tu trabajo que éste habla mejor castellano que vosotros, los gallegos”.)

No cais da doca da marinha, estava atracado um navio-escola d’Armada argentina, com cadetes em viagem d’instrução. Nesse tempo, sargentos e praças da nossa Marinha tínhamos de sair e entrar nas unidades uniformizados. Por isso, eu tinha um casal amigo, que morava ali perto da doca, onde mudava de farpela para, também eu, passear despercebido por Lisboa fora. Decidi então “deixar de ser e de falar português”, pra me tornar num Jovem Oficial da Armada Argentina, de 25 anos, e assim brincar com a ‘raparigada’ que se passeava pelos jardins e parques da capital! Pró efeito, falava com elas em espanhol, ‘que passou a ser a minha língua-mãe’, tendo como alternativa francês ou inglês. Quando não sabiam outra língua, eu fazia-me entender em português fingidamente difícil, meio arranhado e espanholado. Resumindo, eu era um ator que me divertia imenso, mas também havia alguns colegas que estavam por dentro, apreciando alguns acintes de cenas que, claro, depois gozávamos com a brincadeira de mau gosto, que eu bem poderia vir a pagar cara!...

O veleiro esteve ali cerca de 15 dias, depois rumou a um porto espanhol, “mas que eu fiquei” argumentando: “para tratar d’assuntos diplomáticos”. Ou seja, encenava e usava a narrativa que ia inventando e me parecia mais adequada a cada momento. Elas eram à bicha, portanto foi fácil enganar diversas durante um mês, mas fui-as logo descartando para engatar outras. Pelo que restou uma, já um pouco madura, acabada de se licenciar, que se agarrou a mim de tal maneira que passámos logo ao namoro, e eu caí no erro de a levar a casa do casal amigo: – o Sr. Carlos, chefe de cozinha num hotel de Lisboa, onde a dona Ofélia era cozinheira –. A rapariga contara aos pais, sem me dizer, que pelos vistos ele era Coronel da força aérea, e foram os dois ao meu encontro à casa dos meus amigos, com a intenção de me levarem, de carro, lá a casa para ser apresentado à família, que me conhecia de relato…, e oficializar assim o namoro. (Se calhar até seria uma armadilha! Um homem, neste caso um garoto, quando se mete em sarilhos, sujeita-se às consequências). Eu não estava e tive a sorte de o casal não me saber identificar, para além da minha presença; todavia, tiraram-me logo a máscara e, com razão, ficaram zangados comigo, conforme manifestaram quando lhes apareci, sem saber do que se tinha passado. Entreguei-lhes a chave que me tinham dado para entrar e sair quando eles não estivessem e foi por isso que eu pude ir com ela a casa deles, sabendo que estavam a trabalhar. …A dona Ofélia meteu-me a chave no bolso do casaco e disse-me: – se vieres aqui com alguma quando não estamos, que seja de maioridade e trazei prevenção, que eu não quero problemas pra ninguém – fiquei sem saber o que queria ali dizer ‘prevenção’. Depois estive uns meses sem ter coragem de lhes reaparecer. Eram boas pessoas e desculparam-me. Sem embargo eu, que estava a meio de fazer 23 anos, já devia ter juízo, mas pelos vistos ainda me faltava. Antes, uma vez fora lá a casa com uma de 25 anos, doméstica com ar provinciano que conhecera no P. Eduardo VII, a D. Ofélia estava em casa: “Então quantos anos a menina tem”? ‘Fiz 25 há 2 meses’. “Ah! Já me estava a esquecer, tenho de sair, não levo a chave, quando vier toco à campainha”. Eu entendi a mensagem, pois a Dona Ofélia estava avançada no tempo, enquanto o Sr. Carlos era mais conservador.

Entretanto, com o meu francês já a nível alto, escrevi pra um jornal francês; mandei o meu endereço a pedir correspondência com jovens do sexo feminino entre 18 e 25 anos. Recebi 10 cartas e respondi a todas, pelo que eram cartas pra cá, cartas pra lá, pois o que eu queria era praticar o francês divertidamente. Entretanto organizou-se, lá na sua zona, uma excursão d’autocarro, com itinerário: 2 dias em Barcelona, 3 em Lisboa, 2 no Porto e 3 em Madrid. Assim, conforme tinham escrito, 5 delas também vieram. Eu estava á sua espera com mais 4 amigos, também marujos, possíveis aspirantes a namorados, trajando todos à paisana. Durante três dias, em Lisboa, foi muito bom!... Eu e os meus colegas não tínhamos mãos a medir a divertir-nos!... Falámos com o despenseiro e o sargento de serviço à escola naval nesse dia, pelo que os 4 fardados a rigor – de farda branca que a época exigia – atravessámos o tejo na vedeta militar e fomo-las buscar, que já estavam a contar, e viemos todos na mesma vedeta de regresso pró almoço no refeitório da guarnição da Escola Naval do Alfeite. Eu estava todo vaidoso: era o único que as compreendia bem e servia d’interprete. Havia um que frequentara o 2º ano do liceu e também queria mostrar serviço, mas engasgavam-se, metia os pés pelas mãos, acabando por se render; e outro, que andara um ano no seminário, também queria meter a sua colherada, mas não sabia mais do que os verbos être e avoir no infinito e os pronomes pessoais moi et toi. Disse e repetiu varias vezes a uma: ‘Eu être moi e toi’, que traduzido diz: eu ser eu e tu. A rapariga ficou a refletir no moi e toi e pediu-me que lhe explicasse. Eu disse-lhe que ele queria corresponder-se com ela, com vista ao namoro, pois que gostava muito dela, que estava quase a acabar o tempo de serviço e que então iria prá França. Depois eu traduzia-lhe as cartas, melhorava-lhas e lá seguiam; e as que vinham também lhas passava pra português. Depois levou baixa e, tal como aconteceu com outros, perdi-lhe o rasto até hoje.

Elas moravam longe do mar, pelo que aquilo foi o que de melhor lhes poderia ter acontecido e, pra complemento, tinham todas as atenções da marujada da mesa, éramos 8 de cada lado, bem como os olhares malandros dos que estavam mais longe!... Ouve uma que se destacou das outras e até era bem jeitosa! Depois, nas cartas, pediu-me exclusividade, o que me levou a pensar que queria iniciar namoro comigo. Efetivamente, eu gostava dela, e assim iniciámos o namoro à distância. O mês que tinha de férias, em vez d’ir à minha terra, fui à dela. Ali, apresentado à família, que já me conhecia de fotografia e nome, fiquei em casa dos seus pais, que eram lavradores, pelo que os ajudei nesses trabalhos. Passados uns dias – ela disse-me que eu podia dormir no quarto dela, pois que a irmã passaria pró meu. A casa tinha 4 quartos; o do irmão, que andava na tropa, estava vazio. Fiquei um pouco assustado! a pensar na alhada que me poderia meter, pois, como humilde portuga provinciano e ao tempo, não conseguia meter a ideia na minha cabeça, que só acedi porque a mãe, a madame Besson, me disse no mesmo dia mais tarde: “Martins, tu vas coucher avec ma fille Silvie”. ‘Mais Mme, et M. Besson’? “Ne t’inquiète pas, laisse-moi faire…”. Fizemos promessas de parte-a-parte.... Entretanto terminadas as férias, vim embora e continuámos a corresponder-nos. Mais tarde, disse-lhe numa carta que ia para Angola e que não tinha condições de chegar a bom porto com ela, portanto, que era melhor seguirmos por outro caminho. Sim, por que longe dos olhos, longe do coração. E, de facto, dei prioridade a uma moçoila em Moçâmedes... Depois acabei por entregar o coração à minha mulher, que me amava genuína e loucamente, e eu aqui não podia falhar!...

Já antes, o meu inglês também me levara ao namoro com uma inglesa linda de morrer! mas aqui foi ela que pôs termo ao compromisso. Era mais velha sete/oito anos do que eu. Vinha algumas vezes a Lisboa, em trabalho, e queria-me sempre a dormir com ela, mesmo depois do namoro. Eu gostava dela ‘à brava’ e ela apercebia-se, por isso quebrou o compromisso, para que eu não criasse falsas espectativas, disse-mo ela e eu acreditei piamente. Embora me dissesse que não, teria marido e eu seria apenas um brinquedo pra ela quando vinha a Lisboa. Depois também havia ali a diferença de classes, ela era licenciada em direito, falava francês e espanhol, também lhe demostrei que falava essas línguas, mas eu nunca lhe menti e ela sabia das minhas origens. Com ela tirei algumas dúvidas, mas o que aprendi foi a ouvir e entender inglês, que de facto era do que estava a precisar. Depois, escreveu-me a dizer que queria passar 10 dias de féria comigo, para eu a informar como seria melhor pra mim. Eu não tinha féria a gozar, mas comecei a engraxar um sargento e combinámos seis dias úteis a que lhe juntei 2 fins de semana, perfazendo assim 10 dias. Eu saí à civil de óculos escuros, o cabelo já havia um mês que estava a pedir barbeiro. Apanhei a Vedeta fui pró compartimento dos oficiais, não passei cartão a ninguém e fui ter com ela, que tinha

alugado um carro no aeroporto e estava à minha espera junto à saída do portão. O sargento era de Ferragudo e deu-me a chave e o endereço da sua casa que estava vazia: Ele morava numa casa do bairro militar do Afeite. Bom, isto dava um livro, mas pra um artigo de jornal teremos de nos ficar por aqui. Segue o mesmo tema noutra edição


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