Manuel Igreja
Bag-in-Box
Bag in box. A sério. Se os de antigamente cá viessem, até haveriam de ficar com os olhos esbugalhados de espanto. O garrafão de cinco litros, agora chama-se Bag in box. Ele há cada coisa. Peneiras e ares pimpões, é o que não falta por esse mundo e por esta nossa região afora, já que nisso pedimos messas aos mais pintados.
Mas o que os haveria de deixar com os cabelos arrepiados, a espumar de raiva, e a ferver de tanta ser a indignação, iria ser o momento em que se deparassem com a qualidade dos vinhos escondidos no seu interior, no nosso caso, com a indicação que são do Douro. Isto, descontando obviamente e com a devida vénia os que são de qualidade recomendável, sem que custe a admitir com justiça que também os há e em quantidade.
Ainda não vai há muitos dias, uma pessoa nada, criada e residente noutra parte do país, sabendo da minha predilacção pelos vinhos do Douro e a minha postura de logo sair em defesa de tudo os nos toca, deu-me conta de que foi engando quem nem um papalvo. Contou que tendo por hábito no quotidiano lá de casa, consumir vinhos da gama corresponde, deparando-se na prateleira do supermercado com uma vasilha bag in box com a indicação “Douro” no rótulo, a comprou ciente de que a questão da qualidade do produto nem se colocava.
Enganou-se contudo esse meu amigo, que o sendo do peito, jamais me atrevo a ter como alguém de palavra duvidosa e de acusação gravosa e infundamentada nem que seja para arreliar outro amigo ou compincha. Não senhor. Se o disse, é porque é ou foi. Por outro lado, não sendo especialista na matéria, também não é um leigo ao ponto de não saber distinguir uma mistela de um vinho razoável para não dizer bom.
Fiquei pois então a saber por essa via, que na caixa, ou no garrafão travestido de modernidade e de estrangeirismos, o meu prezado amigo comprou com pouco mais do que meia dúzia de euros, uma verdadeira zurrapa, daquelas que se não fazem cair os caracóis a quem os ostente, pelo menos fazem revolver-se as tripas nos dentros de qualquer bebedor que vá um pouco além do dedal cheio e passado que sejam o palato e o céu-da-boca.
Como já referi, não pretendo afirmar a generalidade da situação, até porque a ser caso disso, nem Deus Nosso Senhor e nosso Pai, nos poderia valer. No entanto, nem que seja uma só marca, nem que seja um só garrafão, a transaccionar e a conter imitações de vinho colados mais ou menos sub-repticiamente ao nome ” Douro”, estamos perante algo de muito grave. Seria coisa assim, digo eu, para degredo em terras de além-mar, a haver ainda semelhante pena. Palavra que foi o que senti a páginas tantas naquela conversa que tanto me desgostou, ainda que não tivesse sido novidade completa para mim.
Não se consegue perceber, como é que com o vinho de pasto pago ao produtor a preços de uva mijona, numa região em que é quase mais difícil fazer um vinho mau do que um vinho bom, de tanta ser os atributos da matéria-prima, ainda há quem no sector comercialize beberragens como sendo vinho, esquecendo-se de que assim se prejudica, prejudicando de igual forma os outros, já que nada há de mais custoso do que apagar uma má impressão, inesperada porque se deixa de acreditar em algo que até aí se dava como garantido e seguro.
A gente até sabe que anda muito aí muito vinho a ser comercializado vindo de fora, do estrangeiro, na procura de se trocar líquido por liquidez, algo que de modo algum se pode condenar pois cada qual sabe as linhas com que se coze. Nada obriga no entanto a que se não garanta o mínimo dos mínimos em termos do que se dá a beber a quem tem sede e se quer saciar com o que temos de bom, acondicione-se onde se acondicionar o produto.
Nem que seja em bag in box com desculpas para o garrafão que merece respeito, convenhamos menos prático e eficiente. Quanto a isso os antigos que tenham paciência. Mas já agora, baptize-se o recipiente com outro nome. É que lá de fora, já bonda o que tem de ser. Não acham?