Teresa A. Ferreira

Teresa A. Ferreira

Bamos serrar uma belha

Depois de cear, a rapaziada juntou-se na tasca do Ti Zé, lá na aldeia, a passar um bocado do serão. Estavam na Quaresma, tempo de reavivar velhas tradições culturais, que alguns teimam em não deixar cair.

Surgiu um diálogo entre os presentes:

- Ó, Manel, bamos serrar as belhas? Estamos no tempo disso.
- Bamos, atão, Tonho.
- Chama daí a rapaziada e bamos a elas.
- Andai, andai daí.

Abeiraram-se de uma casa, onde a dona tinha sido avó havia pouco tempo, e largaram a primeira quadra.

Chorai netinhos, chorai,
Que a nossa avó Florinda vai morrer;
Verte lágrimas pelo Amador,
Que na loja a foi meter.

Pegando num serrote, faziam que serravam um corpo de velha, que mais não era do que um cortiço com roupas de mulher. Os rapazes gritavam, imitando dor e muito choro.
Seguiram para a próxima casa.

Chorai netinhos, chorai,
Que a nossa avó Joaquina vai morrer.
Que crimes cometeu, ela?
Meteu o Malraux na cama dela.

E outra casa se seguiu.

Chorai netinhos, chorai,
Que a nossa avó Maria vai morrer;
Foi à seara nova roubar trigo
Já o não temos para moer.

Em ambiente de euforia salpicaram de forma trocista, todas as velhas da aldeia, até à meia-noite.

- Fizemos um trabalho justo e perfeito, Tonho!
- Dá cá um tríplice e fraternal abraço, Manel.

Nota: Esta tradição quaresmal de "Serrar a Belha", é comum a muitas localidades de Trás-os-Montes, Minho, Beira Alta...feita com o intuito de satirizar algumas pessoas da aldeia, por feitos cometidos durante o ano. A esta boa gente não lhes escapa nada.

Não deixemos que a tradição caia em desuso, mas sem a desvirtuar.


© 𝑻𝒆𝒓𝒆𝒔𝒂 𝒅𝒐 𝑨𝒎𝒑𝒂𝒓𝒐 𝑭𝒆𝒓𝒓𝒆𝒊𝒓𝒂, 10-04-2023
       𝙉𝙖𝙩𝙪𝙧𝙖𝙡 𝙙𝙚 𝙏𝙤𝙧𝙧𝙚 𝙙𝙚 𝘿𝙤𝙣𝙖 𝘾𝙝𝙖𝙢𝙖,
      Mirandela, Bragança, Portugal.


Imagem colhida na Internet.




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