Jorge Nunes

Jorge Nunes

Bragança no Século XX, através da imprensa regional III

3 - No século XX a paisagem rural do concelho mudou.

No início do século, a agricultura baseava-se em processos ancestrais, ao longo deste século iria ocorrer uma grande mudança, saltando das práticas quase medievais para a modernidade.

A castanha era a base alimentar da população. Com a subida do preço da madeira, os soutos foram sendo abatidos.

A produção cerealífera aumentou a partir de 1905. No ano de 1932 foi criada a Federação Nacional dos Produtores de Trigo e criadas infraestruturas de apoio à produção, ao armazenamento e compra, com garantia de preço de venda.

Nas décadas de 1930 e 1940, semeava-se tudo o que era possível, a desarborização foi intensa.

Na década de 1920 surgiram modernas moagens, a Mariano & Companhia Ld.ª; a Moagem Lopes no local do antigo Moinho dos Padres; a moagem Afonso Lopes & Companhia, Ld.ª a única que mantem atividade. A marca deste período é visível nos Silos da EPAC, onde milhares de toneladas de cereal eram carregadas em vagões do caminho de ferro. No ano de 1990, ainda se formavam grandes filas de tratores carregados de cereal.

A cultura da batata, desempenhava papel importante na alimentação das populações da Terra Fria.

No ano de 1930, para reduzir a importação, foram criados campos experimentais em Montalegre, na Serra de Montesinho e de Nogueira.

Muito em breve Portugal seria autossuficiente. Referiase que nestas serras, em altitudes superiores a 1000 metros, nem pulverizador era preciso ter, porque o míldio não vingava.

Em Santa Comba de Rossas fazia-se a ensilagem, para conservação durante cerca de cinco meses, após o que era expedida em vagões de comboio, trabalho a cargo da Cooperativa de Produtores de Batata da Semente de Bragança, criada na década de cinquenta, atualmente sem atividade associativa.

Nas montanhas, os campos de cultivo ocuparam terrenos baldios de pastoreio livre, contra a vontade das populações locais. No ano de 1939, para além dos 5200 hectares da Serra de Nogueira submetidos ao regime florestal, contabilizavam-se a área dos 213 baldios, somando 7612 hectares.

O apelo à “arborização de serras e estradas”, foi apresentado em algumas comunicações do I Congresso Transmontano realizado no ano de 1920.

O ilustre bragançano, Prof. Batista Ramires, membro da Academia de Ciências de Lisboa, referia, «E se o fizéssemos, se arborizássemos serras e estradas, os nossos netos abençoariam a nossa obra».

Na vigência do Plano Florestal de 1938-1968, foram plantadas centenas de hectares de floresta, construída uma rede de casas florestais de apoio aos trabalhos de limpeza, à florestação e vigilância.

Seguiu-se o Projeto Florestal Português do Banco Mundial de 1981 a 1986, e o Programa de Ação Florestal de 1986 a 1995. Parte destas últimas plantações não tiveram valor económico, terminados os subsídios, as plantações foram abandonadas, os incêndios florestais, têm-se encarregue de destruir muitas dessas plantações.

A pecuária teve um forte incremento, representava muito na alimentação humana e no trabalho dos campos, sobretudo a raça mirandesa essencial na lavoura e no transporte dos produtos agrícolas.

No ano de 1935 o efetivo bovino era de 41764 animais, no ano de 2020 o efetivo adulto era de 3000 bovinos em 220 explorações. A mecanização e o abandono da atividade agrícola, levou a que os campos de pastagem se estejam a perder.

A cultura do lúpulo, desenvolveu-se entre 1960 e 1980, chegou a haver 30 campos de lúpulo, cerca de 100 ha, era o designado “ouro verde”. Na década de 1970 e de 1980 a produção nacional satisfazia as necessidades da indústria cervejeira nacional, atualmente não chega a 5% das necessidades. A produção ocorria em Braga e Bragança, aqui estava sedeada a empresa Lupulex, junto do Centro de Educação Especial. A instalação industrial já não existe, o terreno foi urbanizado, por volta do ano de 2010.

O apoio à viticultura foi assegurado pela Cooperativa Agrícola da Terra Fria SCRL, criada no ano de 1954, com instalações industriais em Vale de Álvaro, sem atividade associativa há cerca de três décadas. O olival tradicional de sequeiro, ocupa um a bonita mancha do concelho, nas freguesias de Macedo do Mato e União de Freguesias de Izeda e Paradinha Nova.

A construção do Lagar dos Olivicultores de Izeda, remonta aos anos 1966/1967, pela Cooperativa Agrícola da Terra Fria. A área de olival explorada pelos cooperantes do Lagar Cooperativo é de cerca de 1200 hectares e a produção é de cerca de 250 mil toneladas de azeite. É a única cooperativa do concelho.

A produção de castanha, no final do século XVII ocupava cerca de 100 mil hectares, terá caído para cerca de 60 mil no início do século XX, regrediu até atingir cerca de 20 mil hectares na década de 1980.

Voltou a recuperar, o Recenseamento Geral Agrícola de 2019, indica que há 51,9 mil hectares, a produção segundo dados da “fileira da castanha”, será da ordem das 45 mil toneladas. A Terra Fria com 26 795 hectares, representa 51,6% da área nacional.

Em Bragança, no ano de 1989, a área de soutos seria de 2529 hectares e no ano de 2019 será superior a 15000 hectares. A castanha já foi designada de  “petróleo verde”. Esta cultura está sob forte ameaça sanitária, as autarquias e o IPB têm um papel muito importante na preservação e sustentabilidade dos soutos.

Os negrilhos/olmos atingiam até 35 metros, duravam centenas de anos, marcaram a paisagem rural durante séculos, uma doença recente extinguiu-os.

As barragens de Serra Serrada e de Veiguinhas de abastecimento de água, construídas no Parque Natural de Montesinho criado no ano de 1979 e a barragem de Gostei para rega, são uma marca na paisagem rural.

A construção das barragens de abastecimento de água, decorreu desde o ano de 1981 até ao ano de 2014, deram mais vida à paisagem e futuro a Bragança, resolvendo para as próximas décadas um problema de séculos, foi uma grande preocupação no século XX. A água potável é um dos grandes desafios do futuro das sociedades.

Foi um século de grandes transformações na paisagem rural, vividas com entusiasmo e apreensão.

Deveríamos fazer o exercício de antevisão da próxima mudança, do futuro da paisagem rural e sua sustentabilidade face ao forte despovoamento e às alterações climáticas.


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