Nuno Magalhães
Brexit: Fatalidade ou Oportunidade?
O resultado do referendo (Brexit) e a escassa diferença eleitoral são consequências de uma população dividida e pouco esclarecida sobre aquilo que é a UE e aquilo que esta significa nas suas vidas.
Sobrepôs-se o nacionalismo, a xenofobia e o racismo sobre os valores europeus. Não significa isso que o Reino Unido rejeite a paz ou prosperidade, mas a solidariedade britânica é fortemente afetada. Até porque o Reino Unido há muito que considera a UE um travão ao seu próprio desenvolvimento. Esta ideia está longe de ser correta.
O cálculo do “custo/benefício” da UE não pode ser um mero exercício de “toma lá, dá cá”, pois além das contribuições financeiras, há inúmeros ganhos não financeiros e não materiais. Quanto valem a segurança, o mercado interno, o apoio técnico, as liberdades, os direitos, a paz, conseguidos através da União Europeia, na equação britânica?
Por outro lado, a saída de uma das maiores economias mundiais da UE terá consequências para a União Europeia e para o Euro, mas também, para o Reino Unido e para a Libra, como comprovámos com a reação dos mercados, após o referendo. Contudo, sendo a UE um gigante económico, conseguirá reagir ao mercado e recuperar a solidez da sua posição. No que diz respeito ao Reino Unido, paira a incerteza. Além de perder acesso ao maior mercado mundial (UE), há um enorme e fastidioso caminho a percorrer em negociações bilaterais, para recuperar a sua posição no mercado e alcançar estabilidade.
A isto acresce a turbulência política, com as posições dissonantes da Escócia e Irlanda do Norte. Afirmar que o Reino Unido fica em melhor posição que a UE, tal como o fez Nigel Farage no Parlamento Europeu, só está ao alcance do egocentrismo extremista e nacionalista. Será sempre mais difícil para um só Estado-Membro colmatar a ausência dos restantes 27. A União Europeia está assente num princípio de cooperação entre países e o Bloco Europeu mais facilmente conseguirá recuperar, agindo em conjunto, do que o Reino Unido, que se verá sozinho e (possivelmente) desagregado.
Estamos convictos que o Brexit não é uma fatalidade. Depois de décadas em que o projeto europeu nos apontava claramente um rumo para a união – paz, livre circulação de pessoas, desenvolvimento económico e social, Mercado Único, Euro – e que levou os europeus a abraçar este projeto consentindo, sem receios, as cedências de soberania, estamos, atualmente, perante um impasse. Não é percetível qual o projeto, o objetivo, qual o futuro pretendido para a EU e para o projeto Europeu.
Os cidadãos europeus veem-se, atualmente, inseridos num contexto em que instituições europeias têm influência no seu dia a dia sem associarem, a isso, qualquer vantagem no horizonte ou no seu quotidiano.
Os cidadãos europeus dão como adquiridos todos os direitos conquistados aos longo dos 66 anos de integração europeia (Declaração de Schuman). Isso aconteceu e acontece devido a uma clara falha de comunicação, entre as instituições europeias e os europeus, acrescendo, ainda, uma apropriação nacional dos ganhos conseguidos no percurso de integração europeia e consequente europeização dos problemas. É habitual vermos as Administrações Locais e Centrais, dos mais diversos países, recolherem os louros da aplicação de fundos comunitários e imputarem as incapacidades da sua governação à União Europeia. Os crescentes movimentos nacionalistas, xenófobos e racistas são sintomas de uma Europa em que as estrelas perderam o brilho. Estes acontecimentos levam-nos a falar de 66 anos perdidos na construção de uma identidade europeia, em que o Brexit é só um toque de despertador para esta realidade.
O Brexit é uma oportunidade para retirarmos as lições necessárias e pensar a União. Jacques Delors, em 1985, previu que, passados 30 a 40 anos, a UE se tornaria um OPNI (Objeto Político Não Identificado). Uma realidade com a qual concordamos, a União Europeia é menos que uma federação política e mais do que uma organização intergovernamental. Chegou o momento de avançar, a União Europeia não pode continuar a viver na indefinição, traçando o seu futuro à medida que vão surgindo as crises. É altura de tomar as rédeas do Projeto Europeu e definir, sem tabus, a realidade política que pretendemos viver na UE.
Há 66 anos iniciamos um percurso que nos trouxe até aqui, não podemos continuar inertes, no meio duma ponte entre aquilo que era a Europa pós-guerra e aquilo que poderá ser a Europa e a União Europeia. A UE precisa de dar passos no aprofundamento democrático das suas instituições, na criação de uma identidade europeia e no refundar da união na diversidade, sem estatutos especiais, sem Estados-Membros de 1.ª, 2.ª e 3.ª categorias, sem diretórios. É o momento de afirmar a União Europeia não como o produto das vontades de uns, mas como resultado da vontade de todos os cidadãos europeus.