Manuel Igreja
Carta a Deus Nosso Senhor acerca do meu País
Deus Nosso Senhor:
Bem sei que ainda há pouco Te enviei uma carta a dar-Te conta de uma situação que identifiquei como de Teu interesse, mas não resisto ao impulso de Te enviar esta epístola.
Ia pedir-Te desculpa pelo tempo que Te tomo com este atrevimento, mas tenho para mim que não é necessário uma vez que És o dono dele e o Dás de graça. Nós é que nos esquecemos quase sempre disso e ou nos afligimos, ou o desbaratamos.
Mas isso é vinho de outra pipa, que é como diz que o assunto não é agora para aqui chamado. Não é mais que um modo de dizer usado aqui na minha região, que é linda de maravilhar até o ente mais insensível. Só não digo que Te esmeraste na Criação, porque És o esmero supremo e aos homens também deu para Te ajudar no erguer da obra.
Antes que me desvie mais e vá por outros caminhos ainda que todos sejam Teus, permite-me que Te fale do meu país que é um aprazível canto estendido junto ao mar Atlântico. Um éden nestes dias conturbados cá em baixo no planeta azul onde tudo anda revolto e confuso.
Vou em frente para dizer que Portugal é assim algo que nem sempre se percebe muito bem, mas apesar de tudo os portugueses lá vão levando a cruz ao calvário. Desculpa, se esta referência Te causa algum desconforto devido ao que aconteceu ao Teu filho, mas Olha, saiu-me e agora parece mal apagar.
O nosso início como Nação, deu-se por via de um desaguisado entre uma mãe e um filho que era levado da breca e teimou em ser rei de um reino independente. Foi por aí abaixo à espadeirada a torto e a direito e há quase mil anos conseguiu. Não sabia que era impossível.
Séculos depois o apelo do oceano levou a que alguns se metessem por aí afora descobrindo outros territórios e outras gentes de tal forma que nos ficou a fama de heróis do mar e de Nação valente. A coisa foi de tal jeito que o meu país chegou a ser dono de metade do mundo. Vê lá Tu.
Durante anos e mais anos acartamos mercadorias e riquezas imensas, mas não ficou nada a não ser monumentos muito belos. São feitios! Foi como manteiga em focinho de cão, como dizia a minha mãe que estou em crer está perto de Ti. Já agora, se Vires que sou merecedor, Mostra-lhe esta carta, e Diz-lhe que lhe mando muitas saudades.
Depois durante quarenta e oito anos do século XX, comandou um homem que pensava que podia parar o evoluir do tempo pondo um dedo a emperrar o relógio da História e pondo uns taipais mentais a impedir qualquer brisa vinda de fora. Foi obra! Ainda hoje a sua marca persiste na nossa mentalidade.
Numa madrugada de Primavera houve uma revolução. Foi linda a festa pá, ai, Desculpa o à-vontade. Depois andou tudo num desassossego e num virote. A páginas tantas mais parecia que se fumava por aí daquela coisa que faz rir muito e põe as pessoas sem tino. Mas medrou a liberdade, ou um arremedo dela, e as coisas foram mais ou menos ao sítio.
Com o andar a dado momento ocupou o cadeirão do poder um senhor que é muito poucochinho. Quase se comparava a Ti, dizendo que nunca se enganava, mas ou deixou que o enganassem ou era treta. Rodeou-se de uns figurões de visão curta e ambição pessoal muito larga e o evoluir patinou.
Biliões vindos para ajudar no desenvolvimento a sério, foram gastos mais em coisas de encher o olho e as vaidades ocas. Para piorar, seguiu-se a ele uma série de anos em que o mando foi feito à medida de bandoleiros que estoiraram à tripa forra como soe dizer-se. Agora andamos a raspar o fundo da panela e paga quem não teve a culpa. Um dia terão o castigo, pois Tu não dormes.
No hoje em dia que se faz longa a folha escrita, cá vamos cantando e rindo, pois, tristezas não adiantam. No governo temos quem diz que deu e vai dar, que não tira, mas vai tirando sem dar. Parece que a coisa rola, mas não desenrola. No lado mais à direita, temos assim uma senhora bem-posta que levanta muita fervura, mas depois vai a ver-se é só fumaça por ausência de conteúdo. No outro partido maior vai uma confusão que se não unem. Um saco de gatos assanhados que se arrebunham a toda a hora.
Indo mais para esquerda temos um partido liderado por duas moçoilas com o devido respeito, que vivem nas nuvens, mas têm cara de mármore e olhar gélido. Julgam-se com missão de dizer mal. Acho em frente do espelho até dizem mal delas próprias.
O outro partido logo ao lado e de punho igualmente no ar, age a fazer lembrar uma peça de teatro a desenrolar-se em palco, com os actores a debitar o texto sem que se apercebam que o cenário mudou e vai mudando desenquadrando a representação. Até vêm amanhãs que cantam onde a noite é eterna, mas não é terna.
Por isso Deus Nosso Senhor envio-te esta carta pelo vento que passa com notícias do meu país. Já não há quem cale a desgraça, mas não vai tão bem como se diz. Não Olvides os outros, mas Deita-nos um olho e espalha por aqui a Tua imensa sabedoria.
Sem mais, sou quem Sabeis,