Manuel Igreja

Manuel Igreja

Carta Aberta a quem manda nisto tudo. Aqui e lá fora

CARTA ABERTA A QUEM MANDA NISTO TUDO. AQUI E LÁ FORA

Excelências, reverências ou sejam lá o que forem.

Bem sei que o vosso tempo é escasso porque se julgam eternos, assim como sei que possivelmente jamais em tempo algum este singelo escrito lhes chegará ao conhecimento. Mas permitam que desde já lhe diga que o caminho a percorrer não é tão extenso como supõem. Quem andou não tem para andar. Depois em todo o caso cumpro a minha obrigação e faço o meu gosto. Escrevo-lhes na mesma.

Futuram vossas mercês que utilizando o poder que detêm porque surripiam à descarada e deitam mão a tudo o que mexe e se desdobra, pensam, ia eu a dizer que estão a ser muito inteligentes. Mas não estão. Costuma dizer-se que a prazo estamos todos mortos porque isto de se estar vivo ainda um dia acaba mal, por isso, não se esqueçam que mais dia menos dia, a mulher da foice aparece e lá vamos todos para a condição de pó. O barqueiro espera-nos.

No fundo, chegamos cá sem nada, vamos embora sem nada levar, mas passamos a vida a amonturar coisas para deixarmos para os outros. Desde que descemos das árvores e passamos a andar na vertical sobre dois pés que assim sucede. Obviamente que não vem daí grande mal para o mundo e se recomenda a atitude desde que a prática seja comedida. Não será necessário inclusivamente ir-se a doutor, para se saber que graças a isso nos desenvolvemos e evoluímos ao ponto de nos tornarmos pequenos deuses.

O problema radica noutra coisa. A porca torce o rabo noutro ponto. Caso se quedem um migalho que seja do dia em jeito de reflexão, logo verão que por culpa vossa e de todos nós, pela primeira vez na História dos tempos, este nosso mundo com as suas coisas, vai ser entregue à geração imediatamente seguinte, bem pior do que aquilo que estava quando por legado e por sequência foi recebido das mãos da geração anterior.

Isto, reparem, quando as condições técnicas e científicas, permitem que aconteça precisamente o contrário. Produz-se hoje em dia mais riqueza em menos tempo e com muitos menores custos, os recursos contrariamente ao que se diz não escasseiam porque a capacidade de os produzir com valor acrescentado é enorme, quase imensa, mas as estruturas da sociedade estão mais frágeis que pontes assentes em areias movediças. O que sentimos de resto enquanto cidadãos, é que vivemos num lodaçal físico e moral.

Parecendo que anda para a frente, pela primeira vez a sociedade ocidental, a nossa, está a andar às arrecuas como o caranguejo. O que é péssimo. Diziam os antigos que para trás mija a burra, por isso o sentido da marcha é o errado. Não está certo nem justo, e não é inteligente, reforço. Olhando por cima e de um modo geral, a primeira sensação sem reação, é a de que tem de ser mesmo assim. Mas estamos todos enganados e condenados a médio período enquanto sociedade.

As estruturas e a mobilidade dentro desta neste nosso século XXI parecem-se cada vez mais com a existentes no século XVIII e na meia parte do século XIX. Uns poucos aristocratas não pelo nascimento, mas pela condição de posse de dinheiro, detêm a riqueza enquanto os milhões são obrigados a andar de chapéu na mão a mendigar ocupação sentindo-se bafejados pela sorte quando conseguem emprego a troco de salários mínimos em relação ao custo de vida. Os primeiros vivem como nababos e os segundos como nabos consentidos e mais ou menos sentidos.

As oportunidades para a mobilidade social são cada vez mais outra vez, condicionadas pelo acesso ao Ensino. Os que podem trepam por via da escola exclusiva que frequentaram, num tempo em que o andar-se na escola não é novidade e é universal. O exclusivo dado pelo que se pode pagar é que faz a diferença. Claro que também conta vontade pessoal de singrar quando se acredita que o realismo nos mostra a realidade das coisas e o sonho nos mostra a possibilidade de as concretizar, mas é difícil. Muito mais para uns que para outros pois estes vão por atalhos no caminho do destino.

Enquanto isto e por este meio condena-se o futuro que deixou de ser o que era no presente em que vivemos. Ricos, remediados e pobres vindouros estão condenados. A geração que devia estra agora a fazer a transição social e demográfica não o está a fazer. Tem colada a ela o estigma da precaridade e é minada pela insegurança. Apesar de ter a fasquia do essencial elevada comparativamente aos de antes, é paga a preços de quase escravatura, não tem os filhos que deseja e que a demografia recomenda porque não pode. Os moços e as moças estão dependurados, suspensos na vida, e quem está dependurado não faz filhos. A não ser que saiba truques.

Querem vossemecês provas do ponto da situação? Por obséquio vejam a lista com os quarenta gestores cujas carreiras despontam que foi publicada recentemente por um semanário de referência, e detenham-se nos nomes e nos sobrenomes. Vejam as albardas como se dizia na minha terra e com o devido respeito, e concluam se é coincidência ou algo mais.

Mas ainda vamos a tempo. Por isso lhes escrevo. Ainda estamos a tempo de mostrar e de dizer que as notícias sobre a nossa morte são manifestamente exageradas como dizia um escritor americano. Basta aprender com o passado.


Partilhar:

+ Crónicas