Manuel Igreja

Manuel Igreja

Carta para Mozart por via do assédio

Caro, Amadeus, antes de mais desculpa o atrevimento de te tratar assim pelo primeiro nome, mas olha, isso é só porque te aprecio. Quer dizer, não sou mestre em Música mesmo que por vezes me faça de músico, mas aprecio bastante os sons por ti superiormente criados.

Depois, a tua personalidade excêntrica também me não deixa indiferente ao ponto de ter visto nem sei quantas vezes um filme sobre ti. Quem me dera ter vivido na tua época, amigo Mozart. Foi por um triz e mais não parece, se olharmos a que trezentos anos, mais coisa menos coisa, no tempo cósmico corresponde a um piscar de olhos.

Mas pronto, paciência. As coisas são como são e as tecnologias permitem que quase se ultrapasse a barreiro do tempo. Nada tarda e descobrem até uma maneira de viajáramos por entre ele, e um homem pode aparecer onde quiser e onde mal se adivinha.

Não te admires. Olha que até já viajamos para a lua. Melhor, foram só uma meia dúzia, mas não falta por aí quem ande sempre nela, tamanho é o desmando e a falta de bom-senso nestes dias entre os que estão vivos, ou assim o pensam, pois também não falta quem já tenha morrido e ainda lhe não disseram.

Por exemplo eu neste preciso instante, corro algum risco. Nota que ali atrás disse um homem e não disse também uma mulher. Só isso basta em algumas mentes para que haja razão suficiente para me queimarem na fogueira acesa pelo fascismo higiénico feito moda. Isso acrescido com a mania de gostar de coisas boas, mas que fazem mal, é que nem palha em palheiro velho.

Mas antes que me transvie mais, escrevo-te meu génio, para te alertar que igualmente corres perigo. Sei que eras bastante destemperado, que andavas sem grandes travões não vendo grande mal em alguns pequenos gestos, pelo que nunca fiar. Dizem que donde estás se vê tudo, por isso prepara-te.

Não me admira que tenhas por exemplo apalpado algumas partes do corpo de algumas damas e que como quem não quer a coisa, até tenhas dado umas palmadinhas aqui e ali. Era de ti. Fazias sem maldade e algumas até nem devem se devem ter importado, rubores nas lindas faces à parte. Mas agora isso é greve. Muito grave porque toda a gente vai para anjo. Up’s será que anja existe?

Amadeus Wolfgang, amigo do peito, um supor, corres risco. Por exemplo, se aquela serigaita que se abanava toda com o leque por causas dos calores sempre que ti via, vier a ser referida agora por algum estudioso, como alguém que se sentiu alvo de galanteio mais atrevido, é o cabo dos trabalhos.

Com um jeito és banido. Os arautos dos bons costumes dão ordens e calam-se as gaitas em todas as salas. Emudecem-se os teus acordes. Bem sei que pausas também são música, mas só no momento e no contexto certos, o que não será o caso.

Correm assim as coisas cá por este mundo. Obviamente que existem pessoas com graves razões de queixa por causa dos abusos de meliantes engravatados, mas é de mais. Basta que se destape uma memória e logo o ferrete faz mossa.

Acho que não te ias dar por cá agora. Deixa-te estar por aí. Qualquer dia, espero que um bom punhado deles, vou ter contigo. Vamos fartar de-nos rir contigo a ensinar música e outras coisas. Vai se lindo…

Olha, com esta me vou. Sou quem sabes.


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