Manuel Igreja
Casa do Douro: A criança está-nos nos braços
O tema, como é nosso timbre, está a passar despercebido. Com a exceção dos mais diretamente envolvidos, um assunto que é de toda a Lavoura e afins, não esquenta nem arrefenta, como se costuma dizer.
Inclusivamente, levantou-se uma ou outra fervura, ora aqui, ora ali, mais não fosse ou seja, por razões políticas e/ou emocionais, mas de resto, passou ao lado, está a passar de raspão.
No entanto, é errada a postura de desleixo, de desinteresse e de alheamento em toda a região por boa parte das pessoas. Acontece que, e antes que me disperse por outros vinhos de outras pipas, que é como quem diz, antes que me desvie do assunto, os novos Estatutos da Casa do Douro, foram publicados no Diário da República para sortirem os devidos efeitos.
Concorde-se com o que se passou e com o que se está a passar, o que importa agora, é informar, discutir, organizar e concretizar. Importa ponderar para que nos próximos dias se prepare e se garanta um melhor futuro para a vitivinicultura duriense e por consequência direta, para quase tudo aquilo que conta na região.
Não adianta “chorar sobre o leite derramado” como diziam os antigos na sua imensa sabedoria, que também ensinavam que “águas passadas não movem moinhos”, para que se seguisse e se siga em frente no caminho que é longo e está por calcetar, coisa que é feita à medida que ele se vai abrindo.
Sucede pois então que a tão referenciada, mas muito maltratada Casa do Douro, durante décadas porto de abrigo, âncora da região do Alto Douro Vinhateiro, pelo menos para aqueles que cavam escavam, podam, tratam e vindimam, tem agora a oportunidade de começar de novo, obrigatoriamente com outros arranjos, com novos contextos e com outras e novas obrigações e competências.
A procissão ainda vai no adro, o vinho ainda não está pronto para encubar, num modo de dizer, só ainda foi feito o primeiro tratamento, mas quanto a mim que pouco sei dessas coisas, é chegada a nossa vez de agir. Acabou o tempo de queixumes e de se atirarem culpas para o outros. Para “eles”, aquela forma de se poder dormir melhor e sem a ideia de carga nos ombros.
Os políticos na Assembleia, fizeram o que lhes competia. Uns concordaram, outros discordaram ou nem por isso, mas legislaram. O presidente da República não vetou, o governo concordou, e agora a lei dita a forma das coisas. Passou-se agora para o tempo das loisas, que é como quem diz para o processo que se segue sem possibilidade que se negue.
Socorrendo-me de uma imagem de ternura e de fácil imaginada visualização, diria que os políticos entregaram a “criança” nos nossos braços para que dela cuidemos com todo o enlevo e com muita sabedoria. Compete agora à região, mudar-lhe os cueiros, as fraldas, caso estejam sujos, arranjar-lhe uma estrutura e dar-lhe uma forma de vida, obrigatoriamente adulta em pouco tempo.
Quer isto dizer que urge que se faça das tripas coração, que se permita que aquilo que une seja mais forte que aquilo que desune, e que de uma vez por todas se ganhe a noção que aquilo que é do respeito de todos a cada um respeita.
Não vai ser fácil. Levar a efeito um processo eleitoral em toda a região e com dezenas de elementos em lista, vai ser uma carga de trabalhos. Motivar para ação num assunto muito propício ao encolher de ombros, vai ser complicado. No entanto, é essencial.
Seria uma vergonha se este principiar fosse o início do fim. Seria caso para que qualquer homem do Douro jamais pusesse lâmina de barbear na cara, ou para que qualquer mulher com garbo se cuidasse devidamente como é próprio e de bom tom, vendo-se aqui não mais que uma figura de estilo para ajuda de quem escreve.
Quedemo-nos pois então um pouco em nós próprios. Concluamos o que cada qual pode fazer pelo Douro, para além de dizer que o vinho é o melhor e que a paisagem é de cortar a respiração.
A “criança”, está-nos nos braços. Não podemos enjeitá-la.