Manuel Igreja
Casa do Douro: Breve Crónica de uma morte anunciada
A Casa do Douro, aquela que conhecíamos, finou-se. Deu-lhe o trangalomango, depois de ter sido dispensada qual velha serviçal sem préstimo que enlouqueceu, e só não se pôs a cantar porque lhe faltou a garganta para se fazer ouvir. Isto, não esquecendo os erros nossos e a má fortuna que por sua vez contribuíram para o triste desfecho que nem deu para ser canto de cisne.
Serviu o Estado no papel de sua representante na região durante cerca de seis décadas, mas um dia o representado por razões que lhe escaparam e não soube contrariar, arranjou-lhe substituta retirando-lhe competências e consequentes fontes de receita. Ainda lhe prometeu a pés juntos que lhe daria um dote de onze 11 milhões de contos, um dinheirão no meio da década de noventa do século passado, mas foram promessas levadas pelo vento, lérias para iludir os incautos, que mais pareceram pais de noiva ludibriada e desonrada por figurões de primeira apanha.
Negociando em Bruxelas por alturas da estruturação das novas formas de comércio dentro da União Europeia desenhadas para o melhor jeito dos mais poderosos, os representantes portugueses não quiseram ou não souberam chamar a atenção para o carácter exclusivo e excepcional da actividade desenvolvida em redor das vidas e das pipas na Região Demarcada do Douro.
Não souberam eventualmente porque não conhecem a História, mesmo sendo esta um simples rodapé por ser nova de dois séculos e meio, que a Região do Alto Douro Vinhateiro se não pode reger no rumo das suas coisas pelo puro e simples mando das regras do deus mercado. Não bateram então o pé porque lhes faltou o desejo e também quiçá o espaço porque o não conquistaram, para demonstrar que a regulação efectiva é essencial, porque existe desequilíbrio de poderes uma vez que seis dominam mais que trinta mil.
De igual forma não fizeram ver que sendo o vinho do Porto produto único que não concorre com outros licorosos, nada obstava a que o sector se continuasse a reger por um conjunto de pressupostos e de regras assentes numa legislação com eficácia demonstrada e com actualidade garantida, copiada inclusivamente para situações bastante mais abrangentes e noutras paragens.
Quedassem-se um pouco os que decidem a olhar para a causa das coisas, e logo saberiam que a própria demarcação e regulamentação feita pelo senhor Marquês de Pombal que Deus haja, mais não foi do que aquilo que lhe foi exigido e proposto por um conjunto de lavradores durienses e um por um punhado de comerciantes do Porto, que exauridos pela crise no sector, sempre eternamente referida, mandaram embaixada a Lisboa pedir medidas que impedissem desmandos, falcatruas e rapinagens sobre os mais fracos.
Fino que nem o alho, o Primeiro-ministro do senhor D. José I, ciente do enorme potencial do produto em si mesmo, logo tratou de arranjar legislação que pusesse regras na actividade, ao mesmo tempo que lhe permitia por via do centralismo ter controlo e proveito sobre o mesmo.
Segui-lhe as passadas Salazar já depois de outros, quando em 1932 arranjou maneiras de o sector funcionar sob a batuta governamental, transformando a Casa do Douro no braço armado do governo na região, impedindo-a de ser uma associação profissional no estrito significado do termo, dado que esta assumiu por lei essencialmente um papel regulador.
No entanto e seja como for, o certo é que enquanto assim foi, o Douro era uma terra em que o dinheiro jorrava com as dificuldades minoradas excepto para os que não tinham um palmo seu de chão. Os outros, limitavam-se a ser proprietários ricos e frequentemente ignorantes, adormecidos à sombra da parreira em tardes de ócio nos cafés da Régua a lamuriar a mudança dos tempos.
Hoje em dia é impossível, desaconselhável e inglório defender-se uma regulação muito presente e forte, muito menos feita pela Casa do Douro, um nome quase proscrito no Douro por causa das modas e das poucas negas memória que por aí grassam. No entanto, manda a justiça e impõe o bom senso que se não deixe morrer de todo a casa que é de todos, para que se respeite o passado enquanto se garante o futuro.
Ainda mexe afinal apesar de tudo. Vai ser uma entre outras, mas pode ser a primeira. Basta que os homens que não quiseram reflectir nem se fazer ouvir acerca da nova forma de representatividade na qual em a Casa do Douro é um simples instrumento, queiram unir-se em seu redor para lhe encontrar uma finalidade proveitosa e inteligente para bem de tudo e de todos, sem inimigos, pois todos somos Douro. À nossa!