Manuel Igreja

Manuel Igreja

Casa do Douro: Sta Marta lhe valha

Não serão assim tão poucos os escritos a que dei forma e conteúdo tendo como assunto a Casa do Douro ao longo dos anos em que me dedico a esta coisa escrevinhar em canto de página de jornal. Confesso no entanto que desta vez hesitei. Impediu-me o primeiro impulso a noção de que se calhar iria versar palavras acerca de algo incapaz de fazer medrar interesse por parte de que me lê. Foi contudo precisamente esse reluzir na mente que me motivou a avançar com a redra na folha por preencher.

Á Casa do Douro, senhora de oitenta anos, já lhe chamei “ Titanic da Rua dos Camilos” e já a comparei a uma velha criada despedida por sentimento de falta de proveito por parte de quem antes foi servido, no caso concreto o Estado Português, que de modo algum tem sido uma pessoa de bem em todo este processo degradante e susceptível de causar vergonha tanto a quem faz, como a quem deixa que façam. Obviamente que foi uma mera e singela forma de alerta, mas não deixou de ser também um grito de revolta por parte de quem orgulhosamente se tem como nado e criado nesta pobre região rica que a tanta gente enche a boca e o peito de ar.

Caso um dia alguém pretenda em aula teórica dar um exemplo de como um Poder Central despreza uma região e como uma região se deixa desprezar, pode absolutamente pegar no exemplo do processo da Casa do Douro, pelo menos desde o tempo em que por deliberação se esvaziou esta de quase todos as suas funções oficialmente delegadas e das receitas daí advindas apesar das promessas do ressarcimento justo. Foram estas levadas pelo vento assim como parras em chão de vinha no tempo do Outono.

A partir daí, desde os meados da década de noventa do século vinte, foi um calvário e um desfiar de rosário e em tudo o que à Casa do Douro concerne. Nem o facto de haver interesses e situações muito importantes, motivou até hoje qualquer governo ou parlamento de maneira a que de uma vez por todas se encontre solução para o imbróglio. Nem havendo uma dívida de milhões de euros que prejudica o próprio Estado, nem havendo vinhos ímpares e tão ou mais valiosos que o montante que se deve, assim como nem a trágica e vergonhosa situação em que se encontram a dezenas de trabalhadores com dois anos e meio de salários em atraso, se motivou quem de direito neste tortuoso caminho na busca de soluções equilibradas.

Naquilo que de todo em todo, pode ser apelidado como um processo inconcebível e repleto de falta de vontade, a questão da Casa do Douro vem-se arrastando na exacta medida em que se deixou degradar a instituição representativa da lavoura duriense, para que conste, fonte de uma das maiores riquezas nacionais, tanto em simbolismo como em proveito económico propriamente dito. A maior associação profissional do país definha como se fosse uma qualquer agremiação de jogadores de sueca.

Enquanto perde o sopro, neste momento já quase imperceptível, a região por ela representada em termos legais encolhe os ombros e despreza-a. Nem sequer consegue exigir que pelo menos lhe definam a natureza no único local estabelecido por lei, para que se saiba, o Parlamento da Nação, casa de deputados sempre ocupados, mas que não perdem uma oportunidade de louvar as excelências do Douro sabidas por experiência própria, ou porque ouvem referi-las.
Mas pior ainda em algo que nos não abona. Na própria região, terra de tanta gente com opinião em mesa de café, não se consegui até agora levar a efeito uma reflexão ponderada e séria acerca do modelo a seguir na representatividade de todos aqueles que do trato das vides, fazem uma estranha forma de vida. Podem e devem ser representados por uma só associação como vem acontecendo, ou será mais aconselhável que outras existam tão diversas como as que se entenderem num pulverizar de grupos de interesses mais imediatos? A prévia inscrição para o exercício da actividade na Casa do Douro, deve ou não ser obrigatória? E os fabulosos vinhos em armazém, devem ser o chão de onde surja nova vida no sector, ou devem ser entregues pela melhor oferta? O majestoso edifício na Régua, deve ser requalificado para destino que se lhe encontre, ou deve deixar-se afundar que nem barco encalhado?
Tenho para mim, que para estas questões existem opiniões formadas e fundamentadas por parte dos agentes da vitivinicultura duriense. Eventualmente não as haverá por parte de quem tem a obrigação de decidir de uma vez por todas. Mas a ser assim, consiga-se que venham ao Douro em algo mais do que passeio, levem-se até junto do vitral no átrio do edifício da Casa do Douro, e explique-se o significado daquelas imagens em que se espelha o equilíbrio sectorial e se conta uma lenda. Quase de certeza que por entre elas surgirá a luz que ascende a lâmpada e a força que alimenta a vontade de fazer.

Em caso de tal não acontecer, pelo menos que rezem então a Santa Marta. Só ela lhes pode valer. Quer dizer, a eles e a nós que sabemos fazer um bom vinho, mas não sabemos como nos dar ao respeito.


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