Teresa A. Ferreira

Teresa A. Ferreira

Casino: 6º - do desvario à prisão

Casino: 6º do desvario à prisão

Depois de informado, sobre tudo quanto haviam apurado os Inspetores, o Inspetor-chefe deu instruções para montarem uma operação mais musculada, para seguirem os paços do Bernardo, do Zé Carlos e da Gabi. Era preciso apurar os movimentos bancários da Gabi; seguir o rasto às peças furtadas de modo a serem recuperadas; e perceber quem fornecia a droga ao Bernardo.

Sem dar conta de que era seguida, a Gabi, continuou a ir aos sítios do costume.

O Bernardo, mais experiente e vivido, ia mudando de trajetória, de dia para dia. Não foi suficiente. A PJ descobriu-o num armazém abandonado, a altas horas da noite, com um grupo de traficantes. Foram fotografados para posterior identificação e detenção e, depois, seria preciso montar-lhes uma emboscada.

O Zé Carlos tinha o seu telemóvel sob escuta, continuando a receber peças furtadas e outras, para a PJ intercetar a proveniência e o destino dos objetos.

Tantas voltas deu o diacho da Gabi que a PJ decidiu que já tinha informações suficientes para detê-la para prestar declarações, sendo-lhe apreendido, de imediato, o telemóvel. Não teve tempo de informar os comparsas. Foi preciso apertar muito com ela para começar a falar. Não conseguiu negar que fora ela a furtar os bens em falta à família. Identificou o Zé Carlos como o recetor das peças furtadas e o Bernardo como o fornecedor da droga. Explicou o porquê dos seus atos e contou das festas que fazia na casa de Vila Real. Desculpou as colegas por ter sido ela a envolvê-las. Ficou detida a aguardar pela audição do Juiz.

Os seus cúmplices também foram detidos, depois de apanhados em flagrante delito. O Bernardo recebia vários quilos de droga; e Zé Calos, várias peças de arte sacra furtada e joias valiosíssimas.

O Juiz determinou a prisão preventiva ao Bernardo e ao Zé Carlos, por fortes indícios de continuidade da atividade criminosa. Quanto à Gabi, ficou a aguardar o julgamento com pulseira eletrónica na sua residência e foi-lhe devolvido o telemóvel.

Passou tempos conturbados no seio familiar. Fez a vida num inferno aos pais. A abstinência do jogo e da droga e o estreito controlo que os pais montaram, sufocavam-na. Ainda assim conseguiu que um velho amigo lhe vendesse droga. Tinha uma conta bancária congelada, mas como havia uma segunda que estava disponível, embora com saldo quase negativo…montou um esquema rocambolesco. Quando via o telemóvel da mãe deixado pela casa e sem ninguém a ver, fazendo-se passar pela mãe, enviava mensagens a amigos da mãe dizendo que lhe emprestassem dinheiro. Dava o seu número de telemóvel para lhe transferirem o dinheiro por Mbway. E era desta forma que conseguia o dinheiro pala ir alimentando o vício.

Um dia a mãe descobriu - fora confrontada com várias dívidas que contraíra, sem saber de nada.

Não podiam internar a Gabi numa clínica, porque estava com pulseira eletrónica; os pais não podiam deixar de trabalhar para ficarem a 100% ao pé da filha; ela ludibriava a Júlia…

Foram tempos muito difíceis, para a família, até ao julgamento.

Chegou o momento do julgamento. Ficaram todos presos. A Gabi era primária, mas o Zé Carlos e o Bernardo eram reincidentes.

Que tempos penosos passou a moça no primeiro ano de prisão. A abstinência da droga e do jogo, a inadaptação ao ambiente prisional, as outras reclusas que, vendo-a tão jovem, tentavam intimidá-la…. Passou um mau bocado até criar estofo para aguentar os embates que ia recebendo.

Havia por lá uma reclusa bem retorcida, de seu nome Anastácia, que desde o primeiro dia implicava com a Gabi. Fazia-lhe a vida num inferno. Tinha um grupo de colegas que alinhavam com ela na malvadez, fosse por cobardia em enfrentar a líder, ou por serem igualmente más.

Um dia pegaram-se no refeitório. Ia a Gabi com o tabuleiro da comida quando a Anastácia lhe pregou uma rasteira. O tabuleiro da comida voou e ela caiu em desequilíbrio. Ergueu-se de imediato e um estado de fúria invadiu-lhe as profundezas da alma. Não se conteve. Com um golpe fulminante de Karaté, pô-la de quatro no chão. Ficou a condoer-se com o braço direito preso atrás das costas, até pensar melhor na vida. Enquanto dava a lição à Anastácia, olhou para as colegas - nenhuma se meteu ao barulho e as Guardas Prisionais fizeram vista grossa. A Gabi tinha sido praticante desta arte marcial, até entrar na Universidade.

A partir deste dia ganhou o respeito de todas as reclusas. Andavam umas quantas amedrontadas pela Anastácia e a comitiva.

Anos depois, saiu em liberdade condicional por bom comportamento. Os pais, que sempre a visitaram, foram buscá-la ao estabelecimento prisional e levaram-na a uma equipa médica psiquiátrica para ser avaliada quanto às dependências e um certo mau feitio que vinha manifestando. No início recusou, dizendo que estava bem, que não era preciso, mas perante a insistência deles não teve alternativa.

O tratamento envolveu o seu internamento na clínica. Tinha de tomar medicação, fazer sessões de psicoterapia e tarefas em comunidade. As sessões de psicoterapia eram violentas, porque tinha de remexer no passado e admitir o que fizera. Fugiu, tanto quanto pode, de falar do passado. A medicação que tinha de tomar era vigiada porque tentou deitá-la fora, várias vezes. Enrolava os comprimidos dentro do guardanapo, ou deitava-os ao chão sem que a enfermeira ou a vigilante vissem. Um poço de criatividade, como bem sabemos.

Além de ter abusado do consumo de drogas, álcool e tabaco, havia também a dependência do jogo. Mas, infelizmente, não eram só as dependências. Devido ao consumo de heroína desenvolveu um transtorno bipolar, sendo necessário tratá-la com lítio, anticonvulsivantes, antipsicóticos e uma enorme panóplia de medicação.

Esteve internada um longo período, sempre acompanhada pelos pais que a visitavam com regularidade.

Ao regressar a casa, após a alta médica, teve um forte choque.

(Continua…)

© Teresa do Amparo Ferreira, 03-04-2024
    𝙉𝙖𝙩𝙪𝙧𝙖𝙡 𝙙𝙚 𝙏𝙤𝙧𝙧𝙚 𝙙𝙚 𝘿𝙤𝙣𝙖 𝘾𝙝𝙖𝙢𝙖,
    Mirandela, Bragança, Portugal.


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