Luis Ferreira
Chão telúrico
A insofismável crença de que da terra tudo sai e nela tudo se esgota, é por demais uma realidade que a todos interessa defender. Se assim não fosse, muitas das nossas atitudes não estariam em conformidade com natural concordância cósmica a que nos referimos sem darmos conta, vez a fio.
A verdade é que esta corrente que emana do interior do planeta que habitamos, tem grande influência nas nossas vidas e nas nossas decisões, já que ela nos transmite muita da energia que nos movimenta e fazem de nós quem realmente somos. Uns mais perfeitos do que outros, naturalmente. Ignorar o óbvio, seria lamentável.
Uma das verdades irrefutáveis é a de que a Terra treme e por vezes este chão telúrico que pisamos assusta-nos de tal forma que tememos pela nossa vida e pela dos nossos amigos, ainda que esses amigos possam ser animais que, pela sua simpatia e disponibilidade, nos cativam e nos mitigam sentimentos infindáveis. Afinal todos giramos nesta roda-viva, ainda que a misantropia dos homens não busque muita consolação na preferência pelos animais.
Outra verdade incontestável é de que todas as batalhas se travam cá, aqui neste palco redondo de onde não conseguimos sair por muito tempo. E a grande batalha que se trava todos os dias, para além das que a irracionalidade dos homens teima em manter com base numa suposta religião anómala e esquiva, é de inventar a cura certa para vencer de uma vez essa mesma batalha, a tal que nos dizima sem piedade e que nos faz tremer sempre que está por perto. O nome não interessa muito, pois só a pronúncia nos faz tremer. É uma doença. Mata. Temos medo. Ponto final.
A velocidade com que se espalhou a notícia de que o ébola era mortal e podia chegar à Europa, vindo de África, onde já tinham morrido umas centenas de pessoas, fez despoletar as consciências nacionais e acelerar os esquemas de segurança de saúde e, concomitantemente, as indústrias farmacêuticas de todo o mundo, na busca da vacina certa para acabar com a terrível doença. Os EUA tremeram quando receberam a confirmação de um caso de contaminação e pior ficaram quando ele foi fatal. A Espanha tremeu com o caso da enfermeira contaminada que, felizmente, conseguiu superar e acaba de sair da quarentena a que foi obrigada. Portugal temeu que as ligações com a Guiné trouxessem para cá alguém contaminado e apressou-se a informar que estávamos preparados para qualquer eventualidade, mas só passadas duas semanas é que fez prova dessa segurança, ainda que ficticiamente.
Paralelamente a esta insegurança que nos faz tremer e que já matou cerca de quatro mil pessoas em vários países, essencialmente africanos, outra verdade que parece ser quase esquecida pelos que tanto se amedrontaram com o ébola, é a que continua a matar centenas de pessoas todos os dias, indiscriminadamente, desde crianças indefesas a adultos com tanta culpa como a das crianças que são baleadas e cuja culpa é a de simplesmente existirem. Ela é a pretensão dos jhiadistas que querem formar um estado conquistando território a outros estados, matando tudo e todos, aterrorizando povos inteiros, destruindo cidades, matando famílias, separando povos milenares em nome de uma pretensão que de semelhante só temos como exemplo mais recente o de Hitler ou se recuarmos um pouco, o que Napoleão tentou fazer. No entanto, o resultado dessas pretensões, foram todas as mesmas: a derrota pura e simples. Por que razão é que ninguém se movimenta seriamente no sentido de destruir essas ambições e salvar os milhares de pessoas que ainda restam naquela região? Está a matar muito mais e mais depressa do que o ébola!
Esta realidade, quer queiramos quer não, faz-nos sentir impotentes e culpados. Ali, o chão treme demasiado frequentemente e mata todos os dias. Treme por culpa dos homens e não da Terra que pisamos. As bombas assassinas fazem tremer a terra e os corações dos que tentam sobreviver no meio de uma guerra que não pediram e da qual não têm culpa. Curiosamente, ou talvez não, não vejo a mesma pressa em resolver esta batalha, como vimos nas outras. Porquê?
Pois, talvez a energia que este chão telúrico liberta, não chegue afinal da mesma forma a todos os que deveria chegar!