Chrys Chrystello
Coisas dos romanos
CRÓNICA 252 COISAS DOS ROMANOS 6 MAIO 2019
Estava há dias a ver um documentário televisivo sobre as dez melhores criações romanas (há dois mil anos ou mais) e, salvaguardadas as devidas diferenças, assumi que devo ter nascido na era errada. Vejamos algumas delas:
- Cidades construídas numa grelha retangular e quadrangular
- Esgotos e sanitários com sistemas de canalização que evitavam a contaminação nas cidades sempre garças à água corrente que os alimentava.
- Estradas (sempre que possível em linha reta) construídas para durar (muitas delas ainda hoje estão em perfeito estado de utilização com as suas camadas, uma cama de pedra e areia, outra de pequenas pedras e gravilha e por cima o pavimento empedrado.
- aquedutos construídos desde 312 a.C., feitos arquitetónicos notáveis, muitos deles com vários andares e sobre vales e rios, que abasteciam enormes reservatórios, usando a força da gravidade para um fluxo constante
- betão capaz de solidificar em ar, terra ou água, com capacidade de aumentar a sua resistência e durabilidade com o tempo, com diferentes gradientes fosse para paredes, fundações ou arcos abobados, muitas vezes fortalecidos com pedra e cinza vulcânica para evitar a decadência química. Muito mais forte e resistente do que é feito hoje. (Essa receita romana – uma mistura de cinzas de vulcão, oxido de cálcio, agua do mar e pedaços de rocha vulcânica – segura cais, ancoradouros, quebra-mares e portos. E ao contrário dos materiais de hoje em dia, quanto mais o tempo passa, mais forte esse concreto fica. Um grupo de cientistas diz que essa durabilidade é resultado da reação entre a água do mar e o material vulcânico no cimento, criando novos minerais que reforçam o concreto.)
Depois de prestar muita atenção a estas e outras notáveis novidades tecnológicas com mais de dois mil anos, dei comigo a interrogar-me sobre qual a razão de o atual concreto ter pouca durabilidade (50 anos em média), desintegrando-se e sendo corroído pelo próprio ambiente em que está inserido e se andarem a construir hotéis e outras habitações que pouco vão durar e a única razão válida é que a maior parte deles serão abortos arquitetónicos como o que irá surgir em Vila Franca do Campo (Água d’Alto) com mais de 500 quartos e – como tal – condenados a serem abatidos, mais cedo ou mais tarde. A sua utilidade é tão reduzida que o betão pode ser de fraca qualidade. Já agora construam mais portos para os cruzeiros em todas as ilhas, que qualquer tempestade, mais cedo ou mais tarde, irá destruir. Há portos romanos como o primeiro porto artificial de Caesarea Maritima (Cesareia, Israel) que sobrevive hoje.
Aliás, o imediatismo das construções parece ter tomado conta de todos os governantes. Quando em 2008 sugeri em crónica publicada que se deveriam começar a construir reservatórios de água na cilhas dos Açores, para evitar futuras faltas de água, devido às mudanças climatéricas, ninguém me ouviu nem levou a sério. Já em 2018 a lavoura e pecuária mostraram algum interesse em construir reservatórios para abastecer o gado., mas, de uma forma geral, tudo continua por fazer. Governos e políticos reativos em vez de serem pró-ativos.
Escrevi então no Diário dos Açores 13.11.2008:
… O RESTO DA ILHA NEM SE APERCEBEU.
Continuam todos felizes, sem se darem conta da falta de água aqui na Costa Norte, a esvaziarem os depósitos do autoclismo em vez de os encherem de garrafas de água cheias ou de tijolos para preservarem a água que temos. Esta ilha não para de me espantar. Desde que cá cheguei, biliões de litros de água vieram diretamente das nuvens para as ribeiras que os despejam no mar. Um equilíbrio perfeito com a natureza, mas que esqueceu a presença humana. Espero que alguém já tenha lido alguma coisa sobre as mudanças climatéricas que se avizinham e comece a construir reservatórios maiores antes de esta ilha se começar a parecer com a metade seca da ilha de Santa Maria ou com a aridez das Canárias e de Cabo Verde. Nessa altura será tarde demais, a menos que nas terras altas como na Lomba da Maia tenhamos reservatórios suficientes para as nossas necessidades e deixemos de depender dos outros que não cuidam de nós como nos prometeram antes de serem eleitos para defenderem os nossos interesses.
Claro que se compreende a não-preocupação pois a futura falta de água não dá votos a vencer eleições…e quando os começarem a construir pode ser que não chova o suficiente para os encher… nessa altura será culpa das alterações climatéricas e não da falta de visão dirigente. Não sei como mas gostava de poder clonar algumas mentes romanas e colocá-las em posições de poder, para construírem estradas que durem, fazerem betão milenar, reintroduzir aquedutos e reservatórios capazes de abastecerem todos com a água que vai faltar, mesmo nesta zona de clima subtropical chamada Açores.
Resta-me votar “Romanos” nas próximas eleições.
Para o Diário dos Açores e Diário de Trás-os-Montes
Chrys Chrystello, Jornalista
[MEEA/AJA (Australian Journalists' Association – Membro Honorário Vitalício nº 297713,) carteira profissional AU3804]