Chrys Chrystello

Chrys Chrystello

Colonialismo, Combatentes e a falta de respeito

Crónica 345. COLONIALISMO, COMBATENTES E FALTA DE RESPEITO, 7.7.2020

Fartei-me das não-notícias, da TAP, da SATA, da suspensão dos chefes da EDP, das bacoradas do ministro do desensino, das falhas  da saúde, da desvergonha dos CTT, dos confinamentos desconfinados dos turistas, dos testes e dos infetados, dos prejuízos da Atlanticoline, das estátuas e da imbecilidade do politicamente correto… é tempo de pensar e corrigir os verdadeiros males.

Há temas que alguns chamam fraturantes e eu designo como demasiado incómodos para discutir, e desde há muito tempo não discuto com ninguém futebol, descolonização ou religião. São experiências pessoais que em muito transcendem a lógica argumentativa e duma discussão dessas nunca sairia resultado útil. Dito isto e respeitando as opiniões contrárias (não disse concordando), dei-me ao trabalho de contrapor a afirmação de que a descolonização das “províncias portuguesas” foi catastrófica e não uma descolonização exemplar como nos querem fazer crer.

Nem uma coisa nem outra, foi a descolonização possível, fora de tempo, forçada pelos grandes interesses das potencias mundiais num enorme jogo de dominó em que se manipularam os inexperientes portugueses saídos do 25 de abril para a dura tarefa de descolonizar. Não foi nem melhor nem pior do que as restantes feitas por países mais poderosos como o Reino Unido, Alemanha, França, Austrália, Bélgica, etc. foi, certamente, má mas nem pior nem melhor do que as restantes. Má, atabalhoada e manipulada de fora. Os desgraçados que lá viviam foram a moeda de troca, enxovalhados ao serem chamados “retornados” e espoliados da sua vida, dos seus bens, do seu futuro, fruto do seu trabalho. Nem todos eram racistas, nem todos eram negreiros, nem todos eram salazaristas (embora muitos o fossem). Tiveram de recomeçar do nada e ficaram para sempre ressabiados, com razão, mas a vida continua e temos de andar para a frente. Também eu fiquei impedido de regressar a Timor (e Bali) pela invasão colonial da Indonésia a 7 de dezembro de 1975 e se bem que toda a minha vida planeada, de novo, após a guerra colonial, tenha sido posta à prova, recomecei em Macau, na Austrália e, mais recentemente, Portugal.

De uma enorme devastação que os anos de guerra colonial (mesmo em Timor) me causaram e subsequente reajustamento a novas sociedades e culturas, fiz disso uma mais-valia multicultural enriquecedora. Não consta que me ande a queixar eternamente do infortúnio. E se admito que a minha noção de patriotismo nada tenha a ver com a minha deserção quando fui amnistiado por Spínola e fui a Bali e Austrália, não entendo como o povo português continue calado e tolere a existência de mais de mil corpos de combatentes abandonados em campas rasas em Angola. Intolerável isto só comprova a minha teoria, que nós, especialmente os oficiais milicianos, não éramos senão carne para canhão. É a falta de respeito pela memória dos mortos e estropiados que é intolerável, mas sobre ela raramente se fala. Pior estão os ex-combatente dos EUA que morrem que nem tordos nas ruas onde nem sobrevivem como sem-abrigo, com doenças e SPT (stress pós-traumático), abandonados pela sociedade que os espoliou dos melhores anos de vida em troca de uma mancheia de nada.

Não sigo as campanhas eleitorais pois de promessas fartas e incumpridas anda este eleitor cheio, mas não devo errar se disser que nem um se deve ter lembrado dos desgraçados dos ex-combatentes, em avançada idade como eu, ou mais velhos ainda, sem uma pensão condigna, sem acompanhamento eficaz do SPT e outras maleitas além da idade. É essa indiferença, esse esquecimento, esse desprezo por aqueles que deram os melhores anos da sua juventude que magoa e me afasta de promessas políticas de quatro em quatro anos. Assim será sempre, até ao dia em que o sol não nasceu, a chuva não caiu, a maligna carne de vaca não se comeu e em que eu (que não vendo livros) deixe de os escrever.


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