Chrys Chrystello
Colonialismo, combatentes e falta de respeito
CRÓNICA 289 COLONIALISMO, COMBATENTES E FALTA DE RESPEITO 24.9.19
Há temas que alguns chama fraturantes e eu designo como demasiado incómodos para discutir, e desde há muito tempo não discuto com ninguém futebol descolonização ou religião.
São experiências pessoais que em muito transcendem a lógica argumentativa e duma discussão dessas nunca sairiam resultados úteis. Dito isto e respeitando as opiniões contrárias (eu não disse concordando), dei-me ao trabalho de contrapor a afirmação de que a descolonização das “províncias portuguesas” foi catastrófica e não uma descolonização exemplar como outros nos querem fazer crer. Nem uma coisa nem outra, foi a descolonização possível, fora de tempo, forçada pelos grandes interesses das potencias mundiais num enorme jogo de dominó em que se manipularam os inexperientes portugueses saídos do 25 de abril para a dura tarefa de descolonizar. Não foi nem melhor nem pior do que as restantes feitas por países mais poderosos como o Reino Unido, Alemanha, França, Austrália, etc. foi, certamente, má mas nem pior nem melhor do que as restantes. Má, atabalhoada e manipulada de fora.
Os desgraçados que lá viviam foram a moeda de troca, enxovalhados ao serem chamados de “retornados” e espoliados do seu trabalho, nem todos eram racistas, nem todos eram negreiros, nem todos eram salazaristas (embora muitos o fossem). Tiveram de recomeçar do nada e ficaram para sempre ressabiados, com razão, mas a vida continua e temos de andar para a frente.
Também eu fiquei impedido de regressar a Timor pela invasão colonial da Indonésia a 7 de dezembro de 1975 e se bem que toda a minha vida planeada tenha sido posta à prova, recomecei de novo em Macau e na Austrália e, mais recentemente, Portugal. De uma enorme devastação que os anos de guerra colonial (mesmo em Timor) me causaram e subsequente reajustamento a novas sociedades e culturas, fiz disso uma mais-valia multicultural enriquecedora. Não consta que me ande a queixar eternamente desse infortúnio.
E se admito que a minha noção de patriotismo nada tenha a ver com a minha temporária deserção quando fui amnistiado por Spínola e fui para Bali e Austrália , não entendo como o povo português continue calado e tolere a existência de mais de mil corpos de combatentes abandonados em campas rasas em Angola. Isto sim é intolerável e só comprova a minha teoria de então que nós, especialmente os oficiais milicianos, não éramos nada a não ser carne para canhão. É essa falta de respeito pela memória dos mortos e estropiados que é intolerável, mas sobre ela raramente se fala.
Pior estão os ex-combatente dos EUA que morrem que nem tordos nas ruas onde nem sobrevivem como sem-abrigo, cheios de doenças e SPT (stress pós-traumático), abandonados pela sociedade que os espoliou dos melhores anos de vida em troca de uma mancheia de nada.
Não segui a corrente campanha eleitoral pois de promessas fartas incumpridas andam os eleitores cheios, mas não devo errar se disser que nem um se deve ter lembrado dos desgraçados dos ex-combatentes , todos em avançada idade como eu, ou mais velhos ainda, sem uma pensão condigna, sem acompanhamento eficaz do SPT e outras maleitas além da idade.
É essa indiferença, esse esquecimento, esse desprezo por aqueles que deram os melhores anos da sua juventude que magoa e me afasta de promessas políticas de quatro em quatro anos.
Assim será sempre, até ao dia em que o sol não nasceu, a chuva não caiu, a maligna carne de vaca não se comeu e em que eu (que não vendo livros) deixe de os escrever.