Barroso da Fonte
Combatentes do Ultramar os últimos em tudo
Dia 23 de Março - vésperas do dia em que a democracia portuguesa ultrapassou o tempo de duração da ditadura, - o PR condecorou 30 militares que estiveram ligados ao golpe de estado de 25 de Abril de 1974.
A condecoração simbolizou a Ordem da Liberdade e alguns desses bravos profissionais da guerra tiveram a medalha a título póstumo. Essa data serviu para arrancar com as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974. No dia 24 seguinte decorreu uma sessão solene que juntou, no Pátio da Galé, o presidente da República, o presidente da Assembleia da República e o primeiro-ministro. Na cerimónia, além dessa trintena de heróis, juntaram-se os três mais sonantes representantes dos órgãos de soberania.
Um mês depois, nova celebração para festejar o 25 de Abril e para oficializar os quatro anos que António Costa, o todo poderoso, tem para satisfazer o seu ego. Estes quatro anos já haviam servido para acrescentar uma Secretaria de Estado ao novo governo, integralmente comemorativa e festivaleira, com um jornalista e comentador televisivo, por quatro anos. A essa inóspita comissão presidirá o Ex-Primeiro Presidente da República, General Ramalho Eanes, muito bem escolhido pela lição moral que revelou, quando Mário Soares o excluiu de receber quase um milhão de euros, que ele próprio promulgara. Perante o quase escândalo que a nomeação de Pedro Adão e Silva gerara no país, António Costa teve o bom senso de desviar este mesmo político, para ministro da cultura, gerando uma surpresa, que honrou o chefe do governo.
Este preâmbulo serve-me para reafirmar a argumentação que tenho despendido ao longo de 69 anos que levo de jornalismo. Quando fui convocado para o serviço militar já era jornalista. Para não interromper este hobby, tive que requer autorização ao ministro da defesa desse tempo.
Reuni em livro cerca de duzentas crónicas do tempo de guerra, até passar à disponibilidade. Sempre mantive o ideário que nunca reneguei. Prezo-me de ter, à mercê do grande público, meia centena de livros, desde dicionários, a monografias, história, etnografia, ensaio, poesia e teses dos diversos graus académicos. Lecionei no Ensino Superior durante oito anos. E, em todos, reuni em livros as minhas sebentas que passaram pelas mãos de cerca de mil alunos. Esta justificação que trago à tona permite-me introduzir aqui a essência de uma entrevista que Francisco José Viegas deu à revista Visão, nº 1515, e que Luís Ricardo Duarte assinou na última semana de Março.
Eventualmente o ex-secretário de Estado da Cultura quis contextualizar o binómio entre a ditadura e a democracia. Dia 23 de Março cumpria-se um empate, na duração do tempo. Mas o purismo político de António Costa e a angélica generosidade de Marcelo Rebelo de Sousa, teriam que produzir a beatificação dos quatro anos, pretexto asado para medalhar três dezenas de profissionais.
Portugal já tem feriados de sobra. Será que o próximo todo poderoso se vai lembrar de fazer do 24 de Março o novo dia de Portugal? Para já, passou a 1º dia da democracia. E terá sido por isso que Francisco José Viegas, quando, na referida entrevista, afirmou: «não podemos estar sempre a ir buscar a nossa identidade ao passado. Mesmo em relação ao 25 de Abril, já se passaram quase 50 anos, está cumprido. Não é preciso dizer todos os dias: «viva o 25 de Abril!».
Este empate temporal deve servir para ajuizar do mérito e do demérito, entre 1926 e 2022. Decorreram 96 anos. A sociedade portuguesa, em 2026, irá ajustar contas entre os 48 anos de estado novo e os 48 de democracia. Esta já vai à frente. A partida para essa avaliação começou dia 24 de Março.
O golpe de estado deu-se, através de uma franja de capitães do quadro, contra outra franja de oficiais e sargentos milicianos.
«Dois decretos-Lei: 373/73 e 409/73. Decreto-Lei 353/73, aprovado por Sá Viana Rebelo, ministro do Exército, que procurava fazer face à escassez de capitães dos quadros permanentes. Funcionou como verdadeiro detonador para a contestação que, após rápida e profunda evolução, levaria ao 25 de Abril de 1974». Os primeiros desconheciam o papel dos segundos, em 13 anos de guerra. Foram carne para canhão. Os primeiros foram heróis nacionais. E, no dia do empate temporal, os trinta que ainda não tinham a condecoração, passaram a tê-la ao toque da fanfarra militar, na presença dos três principais órgãos de soberania. Aqueles dois decretos, aparentemente inofensivos, lesaram os filhos do Povo (soldados e milicianos que a nada se furtaram) e que, 48 anos depois, ainda nada receberam: nem medalhas, nem insígnias, decretados pela Lei 46/2020, de 20 de Agosto.
O JN de 31 de Março informava que «antigos combatentes protestaram ontem, junto à escadaria do Ministério da Defesa Nacional, em Lisboa, para lamentarem a falta de reconhecimento do país pelo tempo de serviço no Ultramar».
Verdadeiramente, os combatentes da guerra do ultramar português, nestes 48 anos, nunca foram tratados com a dignidade com que são tratados os profissionais das armas. E até aqueles que regressam hoje, de outras guerras estranhas, partem por períodos curtos, devidamente abonados e com os descontos devidos pelo tempo de serviço prestado. Estes partem e regressam, debaixo dos holofotes das televisões, são visitados pelos comandos com honras e paradas nos desfiles.
Pelo contrário, aqueles que verdadeiramente foram Combatentes à força e serviram de burros de carga dos profissionais que somaram comissões de serviços, condecorações a esmo e tempo bem contado para efeitos de reforma, nestes 48 anos de democracia, foram e continuam a ser, a classe social mais desprezada Se não fossem as associações que nasceram pelo país fora, para afirmarem que estão vivos, o poder político tinha-lhes dado o tratamento que os ucranianos e os russos dão aos milhares que são atirados para as valas comuns.
Barroso da Fonte