Como não magoar ninguém
É que me tenho cruzado com livros que têm títulos começados por um “como…” seguido de fórmulas mágicas para muitos fins, alguns deles deveras surpreendentes, entre os quais “Como não errar” e “Como não morrer”. Parece mentira, mas estes manuais sagrados existem. Por isso, deduzo que possamos avançar com dicas infalíveis (ou quase) para tudo.
Não fale, não respire, não pestaneje, deixe o café arrefecer, espere, consinta, ignore, aja, agarre, solte, vá embora, volte – faça o que fizer, já está alguém amuado, já você feriu susceptibilidades, já está um caldo, algures, todo entornado.
A culpa é nossa? É dos outros? É da malta da escrita, que não anda a discorrer sobre os assuntos certos?
Não sei. Mas, tenho, como quase sempre, uma teoria.
A culpa é dos sentimentos, que ficam a sacolejar nos pordentros. Raios partam os sentimentos, que não há quem não os tenha! Nem sempre entendíveis, atendíveis (são os piores) e muito dificilmente assertivos. Raramente oportunos, também, porque os sentimentos, como sabem, são tão temperamentais como chuvas tropicais: vêm sem avisar, destroem tudo e, passado pouco tempo, vão embora à francesa.
Então, para não magoar ninguém é fácil! Basta dominar os sentimentos (silêncio total, só o vento a soprar e fardos de feno a rebolar).
Sem sentimentos, intempestivos ou apaziguadores, somos como um pão sem miolo. Há quem diga que é possível dominar os sentimentos. Dominar, bom ,não é de todo a palavra. Antes… domesticar... Tanto quanto é possível domesticar um gato, daqueles paxás. No fundo, achamos que mandamos neles, mas só fazem o que querem, e deixam marcas por todo o lado, só para que não nos esqueçamos que estão por ali, e no comando.
Aliás, falando em mandar, cabe dizer que os sentimentos são tiranos implacáveis. Ditadores insaciáveis, que não têm a noção de para onde estão a levar os caminhos da nação.
Não raras vezes, prometemos a nós mesmos, batemos no peito diante amigos, jurando que não vamos sentir mais nada, ou, se tivermos mesmo que sentir, que seja de maneira diferente. E, enquanto o fazemos, lá estão os malandros a mandar em nós.
“Sentir tudo de todas as maneiras”, escreveu o poeta. Nem queremos, é verdade, só que acaba por acontecer.
Sentimos, vivemos, erramos, morremos. Sem dicas que evitem o inevitável.