Ana Soares

Ana Soares

Confusão, invasão, formatação para a ideologia de género

No dia 16 de Agosto, foi publicado o despacho que estabelece as medidas administrativas que as escolas têm de adoptar para implementarem “o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa” o que na minha opinião não passa de um eufemismo para a imposição ideológica educativa.

Vejamos então, em concreto, algumas das medidas implementadas. A criança pode escolher a casa de banho e o balneário, de acordo com o “seu género”. Por outro lado, devem as escolas estabelecer canais de comunicação e detecção e identificar o responsável na escola a quem deve ser comunicada a situação de qualquer criança e jovem que manifeste uma identidade ou expressão de género que não corresponda à de nascença. Deve ainda a escola alterar o nome de nascença na documentação escolar, estando os docentes e alunos obrigados a usar o nome auto-atribuído pela criança ou jovem em “transição social de identidade e expressão de género”. E um último exemplo que sinto necessidade de transcrever ipsis verbis “promover a construção de ambientes que na realização de atividades diferenciadas por sexo permitam que se tome em consideração o género auto-atribuído, garantindo que as crianças e jovens possam optar por aquelas com que sentem maior identificação.”.

Muito recentemente o senhor Secretário de Estado da Educação escreveu um artigo (“Um género de ideologia”, 7Margens, 14 de Agosto de 2019) onde, às cavalitas da dita ideologia de género, tentava dar exemplos práticos como o que está em causa são questões importantes do nosso dia-a-dia. Deu então sete casos práticos onde o que estava em causa era violência doméstica, maus tratos psicológicos e físicos, maus-tratos e violência no namoro, discriminação com base na orientação sexual, assédio sexual, violação e pedofilia. Sejamos razoáveis e sérios! Se há coisa com que tenho muita dificuldade em lidar é com desonestidade intelectual. Então agora rotula-se tudo de “identidade de género” só porque dá jeito para criar chavões? Então, – pegando na violência doméstica – querer reduzi-la à força a uma questão de “ideologia de género” não é exactamente contrário ao que dizem defender estes senhores da razão contemporânea e diminuir tantas, mas tantas vertentes que inclui a violência doméstica? Até porque não está restringida a um sexo (desculpem lá tratar as coisas pelo nome mas isto de alterar o que sempre se entendeu por género não é para mim) e é um assunto que vai para além de novas modas e tem que ser radicalmente eliminado, punido, erradicado! Todos os casos que o Senhor Secretário de Estado refere são crimes previstos e punidos no nosso sistema jurídico. Em (quase) todos estão em causa direitos humanos e constitucionais que fazem indiscutivelmente parte do nosso sistema de valores e que, como tal, nunca será demais reforçar como princípios indeléveis. E certamente não é isso que está em questão quando querem discutir é a antropologia do que, efectivamente, o ser-humano, o que é isto de não ser homem nem mulher, mas sim um ser cujo sexo em nada vale porque somos todos uma imagem transformável que pode até mudar umas quantas vezes ao longo de uma vida. Sejam bem-vindos à realidade virtual. Agradecemos que embarquem nesta aventura, colocando de parte tudo o que vivenciaram até hoje, começando pelas aulas de biologia.

Dizem-me que não vejo bem a questão, que a ideologia de género não é exactamente uma ideologia. E pronto. Perdem-me logo na conversa. Então se é uma constatação porque é que tem esta designação? Sejamos honestos! Cada um pode defender o que quiser, mas honestidade intelectual em qualquer debate deveria ser pedra basilar. Ideologia de género não tem rigorosamente nada que ver com igualdade ou não discriminação. Não está – nem poderia estar! – em causa a igualdade entre homens e mulheres a nível salarial, económico, familiar ou outro. E menos está em causa – como se quer rotular – uma visão do mundo onde – por um lado - estão trogloditas que querem que todos os seres humanos sejam iguais e semelhantes e, por outro lado, arautos do bom-senso e da liberdade que querem uma sociedade heterogénea. Pelo contrário! Impor uma ideologia (não tenhamos medo das palavras) política, escolar e social corta a liberdade de cada um, enquanto indivíduo e da própria sociedade, enquanto conjunto de todos e cada um de nós. Enquanto expressão da vivência colectiva. E, não tenho qualquer dúvida, reduz até ao burlesco os casos em que efectivamente é necessário acompanhar e aprofundar a igualdade e o direito que cada um de nós tem em não ser descriminado em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual (n.º 2 do artigo 13.º da Constituicão). Isto sim é fundamental. Mas para isso é preciso não confundir cada um dos conceitos, a começar pelo sexo.

Quem não defende a ideologia de género não é um profundo idiota antiquado, que mora numa caverna e está ainda a aprender a fazer fogo. Lamento. O totalitarismo que se vive maioritariamente nos media, não pode restringir quem pensa contra a corrente. Até porque tenho muitas dúvidas que a “corrente” que nos querem colar como sendo a única de pessoas de bem e de mente aberta seja realmente a maioritária em Portugal. O que nos querem impor é a biologia e a estrutura natural da sociedade como algo colateral, passando o ser homem ou mulher a ser uma realidade social e não inata.

Sejamos claros. Não defendo a discriminação em razão de qualquer escolha pessoal, sexual ou outra. Sou claramente contra todas as formas de violência, maus-tratos, assédio ou qualquer outro crime que desrespeite a dignidade da pessoa. Respeito e propago a defesa do ser-humano enquanto ser único, original e irrepetível e, por conseguinte, capaz de se valer pelas características únicas que possui, enquanto homem e mulher. E é exactamente por isto que sou contra a ideologia de género que nos estão a impor.

O Estado tem obrigação de ser muito claro e incorruptível na promoção de um ensino que promova a igualdade, a liberdade, o respeito pela autonomia, emancipação do próximo e a adaptação a cada realidade escolar. Mas nunca tentar, à sombra destes princípios basilares que constituem Direitos do Homem e princípios constitucionais, modelar o que é um homem e uma mulher ou impor uma imagem de sociedade. Diz-nos o artigo 43.º da Constituição da República Portuguesa que o Estado não pode programar a educação e cultura segundo directrizes filosóficas, estéticas, ideológicas ou religiosas. Então respeitem as nossas crianças e, qual lobo sob a pele de ovelha, não nos queiram impingir aquilo que, desde logo pela natureza, não existe. Respeito pela diferença e liberdade sim, imposição de um modelo sexual, de comunidade e de organização social não!

 

PS – Porque importa que cada um forme a sua opinião e perceba o que realmente está em causa, lanço o repto a todos de lerem o Despacho 7247/2019, de 16 de agosto. E depois de o fazerem, não deixem de dar a vossa opinião. Se todos somos Portugal, não deixemos que nos imponham o que querem doutrinar (porque é isso que está em causa) às próximas gerações de portugueses.

Despacho n.º 7247/2019


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