Ana Soares

Ana Soares

Contra o preconceito, todos somos poucos!

Há questões que são de foro político, há discussões cuja ideologia partidária pode levar a perspectivas diferentes e há outras que simplesmente dependem de humanidade, valores e respeito pela dignidade humana. O que se passou na Assembleia da República no passado dia 13 de fevereiro, por parte do Chega e dirigido à Deputada Ana Sofia Antunes, enquadra-se claramente nestas últimas situações.

O Chega tinha todo o direito de criticar a intervenção que a Deputada Ana Sofia Antunes fez, pelo seu conteúdo. O episódio que vai além do lamentável – sendo, no mínimo, inaceitável – teve lugar na discussão de um projeto de lei do PS sobre a criação de um regime jurídico dos estudantes com necessidades educativas específicas no ensino superior. Quanto ao mesmo, o Chega podia defender as alterações que quisesse, votar contra, apontá-lo como exagerado, criticá-lo como insuficiente, apresentar uma alternativa ou tomar qualquer outra posição política, mas jamais usar uma característica física – no caso em concreto uma deficiência – para criticar quem defendeu a proposta por parte do Partido Socialista. Diz-se que quem não tem argumentos ataca o argumentador, mas não vale tudo!

Portugal é um Estado de Direito Democrático assente na dignidade da pessoa humana, de acordo com os dois primeiros artigos da Constituição da República Portuguesa. Não há qualquer venerabilidade em quem usa argumentos físicos de outrem para o criticar, quanto mais uma cegueira congénita. Não há qualquer honradez em quem, por detrás do véu de Deputado da Nação, se julga poder dizer o que até o mínimo de educação impede. Não há qualquer pingo de humanidade em quem vê o outro, por ser possuidor de deficiência, como menos capaz ou digno.

Sempre defendi publicamente que o Chega não deve ser diabolizado enquanto força política por ser de extrema direita, e mantenho-o. Mas exactamente por ver o Chega como um partido como qualquer outro, entendo que tem os mesmos direitos e as mesmas obrigações, começando pela obrigação de respeitar a Constituição. Por ver os Deputados como qualquer outro cidadão que apenas têm de diferente o deverem honrar todos aqueles que os elegeram para, durante o seu mandato, representar o país num órgão de soberania, defendo que não lhes é legítimo – nem a título moral! – esconder-se por detrás de um Regimento que claramente precisa de ser atualizado face aos novos desafios da democracia.

Não sou socialista, mas não é qualquer ideologia político-democrática que está em causa. Esta questão coloca, de um lado, quem respeita toda e qualquer pessoa e, do outro lado, quem considera haver uma estirpe superior entre as pessoas e que essa superioridade lhe dá o direito de atacar e rebaixar os outros. Este é o momento em cada um de nós não se pode acomodar e tem que estabelecer claramente que não vale tudo. Este é o momento em que – porque não tenho dúvidas que existem! – mesmo quem é do Chega e não aceita este tipo de comportamentos, tem que se revoltar e manifestar. Este é o momento, como tantos outros houve já na história – em que os valores mais básicos da dignidade humana têm que nos unir acima de qualquer partidarismo.

Liberdade de expressão não é, nem nunca pode ser confundida com direito a dizer tudo sem qualquer limite. Todos nós temos a responsabilidade de construir uma sociedade onde igualdade não seja apenas um chavão. Se já todos usámos “je suis Charlie” eu hoje me identifico-me com “eu sou Ana Sofia Antunes”!


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