Teresa A. Ferreira

Teresa A. Ferreira

Conversa solta: a desenhadora Isabel

Nas noites chuvosas, encostada no sofá, a Ana revia todo o seu dia como se de um filme se tratasse. Às vezes ria dos deslizes que cometera, outras vezes ficava mais séria por não ter marcado a devida posição em certa situação. O certo é que fazia este exercício sempre depois do jantar.

As amigas telefonavam-lhe para marcarem algo para o fim de semana – tinha de optar pelo melhor programa e companhia, sendo que preferia as amigas mais divertidas – para aborrecida chega a monotonia da vida.

Combinou com a Augusta irem à loja de Turismo para se inteirarem das novidades da terra. Havia uma exposição nova, muito interessante e invulgar, na Ecoteca. E foram.

Quando chegaram estava lá a artista, uma senhora distinta, vistosa e alegre, que fez o favor de as acompanhar, obra a obra, com as devidas explicações. Que maravilha poder ter uma cortesia destas – só mesmo a Fatinha, uma artista de mão cheia.

A Augusta fez questão de comprar um quadro e a Ana deixou outro meio apalavrado – disse que ia pensar melhor.

Dalí foram dar um belo passeio pela cidade, admirar o espelho d’água, os jardins e terminaram numa esplanada montada em cima do leito do rio. Parecia que entravam rio adentro, qual barco de recreio.

Pediram café e água e deixaram-se levar pela tranquilidade que as águas do rio lhes incutiam.

Na mesa do lado direito, estava um casal conhecido que as cumprimentou e elas corresponderam.

A página tantas o casal teve um arrufo. Levantaram-se e foram embora. Ainda acenaram com um cumprimento, mas seguiram rapidamente caminho. Este casal era muito cúmplice e carinhoso e elas ficaram a remoer, querendo adivinhar a história por detrás da situação.

Noutra mesa ao lado, disse um conhecido: - então não sabem o que se passa?

O José levantou-se, pediu licença para se sentar e começou a desfiar conversa.

- Dizem que a mulher e o patrão, o arquiteto Gervásio, se envolveram… A coisa pegou fogo. O marido, que fora avisado por um telefonema de uma pessoa anónima, não esteve com meias medidas - apanhou-os em flagrante no ateliê. Aquilo foi uma cena de pancadaria de tal ordem…De criar bicho! O arquiteto nem mugia nem tugia. Comeu e calou. A mulher fugiu e andou desaparecida durante uns dias, com receio de que o marido lhe batesse. Despediu-se do trabalho e agora está no desemprego.

- Não creio nessa conversa. – afirmou a Ana.

- Era um casal tão harmonioso e amigo. – completou a Augusta.

- É o que se diz por aí, eu cá não vi. E pelo arrufo de há pouco… Deitem-lhe as contas.

- É melhor não espalhar o boato. Veja lá se é mentira, José. A mulher fica com má fama.

A Ana não disse o que sabia, porque era amiga chegada da irmã da mulher. O certo é que estava no desemprego e o arquiteto aparecera com um olho à Belenenses, a cara feita num bolo e um braço ao peito. Quanto ao relato do José… Mais coisa menos coisa, batia certo com o que a irmã da desenhadora lhe confidenciara.

Dali por uns tempos, o casal reconciliou-se. Mas pelos vistos ainda há animosidades no ar.

A história deste casal vem de longe. Ela de seu nome Isabel e ele Amadeu.

Quando a Isabel tinha dezassete anos engravidou e o pai da criança não quis assumir a paternidade do filho. O Amadeu, que tinha por ela um grande amor, prontificou-se a casar e dar o seu nome à criança. E assim foi. Este casal viveu anos muito felizes. A Isabel foi estudar para desenhadora e o Amadeu tinha um comércio de móveis e eletrodomésticos.

Como a Isabel tinha mãos de artista, logo arranjou emprego num ateliê de arquitetura. Pagavam-lhe pouco e o trabalho era demais. Mudou de emprego. Até que um dia foi parar ao ateliê do arquiteto Gervásio. O arquiteto tinha fama de mulherengo e como a Isabel era uma estampa de mulher, tentou-a.

As duas amigas, que conheciam a história, não quiseram alimentar a fogueira da má-língua do José. E fizeram bem. Pagaram os cafés e as águas e foram caminhar no parque – o dia estava apetecível.

- Ana: olha quem lá vem!

- Vejo um vulto, mas não consigo saber quem é.

- Já vais ver. Temos companhia da boa.

Foram apressando o passo até se encontrarem com a Carmo. Que festa fizeram as três amigas.

- De onde vens, tu, alma penada?

- Fui fazer uma caminhada para desanuviar. E vós?

- Fomos até à esplanada do João Maria.

- Há bons dias que não vos via.

- Trabalho e mais trabalho e pouco tempo sobra para arejar a cabeça. E o tempo de chuva e frio… Nem apetece sair de casa.

- Vamos sentar-nos aí um bocadinho.

- A Ana tem novidades. – disse sorrindo a Augusta.

- Ai sim? Então conta lá.

- Vou ser avó de novo.

- Que maravilha! De que filho?

- Do mais velho. E são um casal de gémeos.

- Que engraçado! Vais ter a casa cheia.

A Ana estava tão feliz que já tinha esquecido o episódio da esplanada.

Ficaram umas duas horas à conversa no parque, até que começou a arrefecer. Despediram-se e foram para casa.


© Teresa do Amparo Ferreira, 17-04-2025

Este texto é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.


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