Jorge Nunes
Criação da NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro, questão de justiça e de direito
O intenso abalo demográfico que atinge o Interior Norte de Portugal, está a conduzir-nos a uma situação de forte despovoamento, abandono de partes do território e ao aumento do empobrecimento. É necessário lembrar que Trás-os-Montes e Alto Douro, em pouco mais de meio século perdeu metade da população, representava 7,82% da população do país no ano de 1960 e que em 2021 representa 3,49%, apesar de representar cerca de 60% do território da Região Norte. Atualmente todos os concelhos desta sub-região perdem população, uma verdadeira ameaça ao seu futuro e do país. A rotura com algumas das políticas centralistas é essencial para inverter um ciclo vicioso, para reduzir as graves assimetrias territoriais, tanto no âmbito da região norte como do país. Serve esta breve introdução para regressar a uma das propostas que fiz no livro dos Congressos Transmontanos.
O governo considera existirem algumas assimetrias na Área Metropolitana de Lisboa (AML), a região mais rica de Portugal, e para as corrigir, decidiu garantir mais fundos europeus à parte menos desenvolvida, a Península de Setúbal. Para isso vai dividir a atual NUT II da AML em duas, criando a NUT II da Grande Lisboa na margem norte do rio Tejo e a NUT II da Península de Setúbal na margem sul. Fundamenta a decisão considerando que a Península de Setúbal tem perdido competitividade por estar distante do desenvolvimento da Grande Lisboa, tratando este território como uma realidade específica.
Isso permitirá à Península de Setúbal ter um programa operacional regional próprio, com mais fundos da União Europeia e com taxas de cofinanciamento mais elevadas, ou seja, assegurar mais dinheiro de fundos da EU, e maior intensidade de financiamento do investimento. Note-se que o litoral, historicamente, através das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto, absorve por via direta ou indireta a esmagadora maioria dos apoios, sejam da União Europeia ou do orçamento do Estado, dividindo ainda mais o país, acentuando as desigualdades sociais e territoriais.
Se na Área Metropolitana de Lisboa, o governo regista assimetrias, o que dizer se a comparação se fizer, por exemplo, com o Interior Norte? A Área Metropolitana de Lisboa é a região mais rica de Portugal, tem um rendimento per capita quase 40% superior ao da Região Norte, agrava-se a situação se comparada com as NUT III de Terras de Trás-os-Montes, Douro, Alto Tâmega, que representam outra realidade dentro da região, e se encontram em rota de divergência com a média regional, com um PIB per capita muito inferior ao da Área Metropolitana do Porto, sendo que parte do pouco crescimento do Interior Norte é alcançado à custa da perda de população, não só pela economia. No Interior Norte, a produtividade é baixa, o rendimento das famílias é dos mais baixas do país, cerca de 40% inferior ao do distrito de Lisboa. O despovoamento e envelhecimento populacional tende a agravar a situação já por si um pouco dramática, destacando o despovoamento e abandono de muitas das aldeias, não fugindo a generalidade das Vilas, mesmo a que são sede de concelho, a esta dura realidade.
Os governos nas últimas décadas têm lidado com os problemas do Interior com medidas pontuais e avulsas. Olhando algumas décadas atrás, vemos o ciclo dramático do Interior, com a perda de serviços do governo central, de infraestruturas como a ferrovia, de perda de voz no parlamento, nos partidos, no governo. As lideranças locais e associativas estão mais enfraquecidas. O centralismo tem vindo a esgotar a energia dos cidadãos, da economia, a enfraquecer as instituições e a cidadania.
Os apoios da União Europeia são essenciais ao investimento nacional, vitais para o Interior esquecido. Não aceitando que se continue a concentrar apoios nas regiões de maior dinamismo na economia, no conhecimento e populacional, em particular em Lisboa e Porto, é necessário, é justo, que os fundos da coesão sejam partilhados, sirvam também e prioritariamente para corrigir assimetrias, gerar coesão social e territorial.
Não pondo em causa a criação da NUT II Península de Setúbal, pretendo afirmar, ser de muito maior fundamento e justiça devida ao longo de séculos, que o governo crie a NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro, dividindo a NUT II da Região Norte em duas, respetivamente: NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro e NUT II Entre Douro e Minho, divisão territorial histórica que prevaleceu ao longo de séculos.
A ideia é a de que, também na Região Norte, se tente corrigir as profundas assimetrias, evitando que as sub-regiões mais pobres sejam prejudicadas pelas mais ricas, em concreto no justo acesso aos apoios da União Europeia dirigidos à coesão regional. De na região de Trás-os-Montes e Alto Douro se poder construir e gerir um programa operacional regional próprio, com mais fundos da União Europeia, de executar os projetos correspondentes às prioridades de desenvolvimento de cada uma das sub-regiões, dos seus projetos estruturantes, capazes de fazer a mudança, apoiando a economia, o conhecimento, a qualificação dos recursos humanos, os serviços de proximidade, com metas e escrutínio dos resultados bem definidos, numa visão alinhada com as exigências de combate às alterações climáticas, a prioridade da humanidade e das sociedades com futuro, assente no bom e responsável governo das instituições .
Falando-se agora da revisão da Constituição da República, é altura de: tratar a Interioridade em termos de conceito, como foi tratada a Insularidade; aumentar o número de deputados dos distritos do interior, assegurando representatividade populacional e territorial, reduzindo e transferindo lugares de deputados das Áreas Metropolitanas, bem como criar círculos de eleição uninominal; dividir a NUT II Norte nas NUT II Trás-os-Montes e Alto Douro e NUT II Entre Douro e Minho. Espero que, nesta oportunidade, o Interior não seja esquecido, que esta breve reflexão chegue ao Senhor Presidente da República, ao Senhor primeiro-ministro, líderes partidários e outros, nomeadamente os autarcas, e que decidam, não deixando para trás os que têm sido mais esquecidos ao longo de séculos, de forma mais evidente nas últimas décadas.
António Jorge Nunes