Chrys Chrystello

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Memórias de infância da geração pós-guerra

Crónica 443 memórias de infância da geração pós-guerra

O meu mais novo, há tempos, depois de ter ouvido prédicas sobre os tempos difíceis do pós-guerra e as esparsas prendas que se recebiam ou tratamentos especiais em datas memoráveis, trouxe-me uma lata de Canada Dry duma loja em Ponta Delgada e não na tradicional garrafa que eu recordo. Foi uma revisitação a tempos felizes e não sabíamos então. Foi bom, e estou-lhe grato por me ajudar a reviver memórias esquecidas de tempos perdidos. Com efeito há sabores de infância que nunca se esquecem, esse, o da Sumol, Laranjina C, mais tarde a Coca-Cola que se ia beber a Tui (Galiza pois era proibida pelo salazarento) e na adolescência as pequenas garrafas do míni-espumante Magos.

No meu tempo, as prendinhas eram trazidas pelo menino Jesus e ora vêm de rena com o pai natal. Isto até aos sete anos, data em que descobri as prendas escondidas por cima do guarda-fatos dos pais, e aí perdi a virgindade do natal. Hoje ninguém se contenta com umas camisolas, camisas, meias ou algo assim, querem todos um iPod, iPad ou o último modelo de “smartphone” ou PlayStation com realidade virtual. Por mais que tente recordar poucos terão sido os brinquedos que tive no “sapatinho” ou na “meia” da árvore de natal.

Eram diferentes esses tempos, como a festa de anos muito especial, nos 9 ou 10 anos, em que os meus pais me levaram ao Palácio de Cristal (Porto), a que hoje chamam pavilhão Super Bock Rosa Mota, a lanchar e da qual ainda evoco o Sumol de ananás (sempre o meu favorito) e o bolo que fizeram as minhas delícias por não ser um artigo comum do dia-a-dia. Fora numa esplanada na avenida principal junto ao Teatro ao ar livre que ainda existe (hoje chamam-lhe a Concha Acústica). Estavam a cair as folhas amarelecidas pelo outono e a encherem de tons alaranjados o piso de areia da longa avenida por onde passava um comboio de fingir a apitar cheio de crianças contentes.

Eram outros os tempos e as expetativas. Andar de barco a remos no pequeno lago em frente, um privilégio raramente utilizado e tais diversões resumiam-se a uma vez ao ano em anos bons, talvez bissextos, quem sabe? Aprendia-se a dar o devido valor ao que se não tinha e a que nem se aspirava. Hoje com a sofreguidão típica da geração “baby-boomers” dá-se tudo aos filhos que vão pedindo mais e melhor, insatisfeitos com o muito que têm na sociedade consumista que a todos assola e assolapa de dívidas.

Mas a Canada Dry que o meu filho me trouxe soube bem, e estou-lhe grato por preencher mais uma peça do puzzle de dias felizes que nem sabíamos que existiam.

Chrys Chrystello, [email protected]

Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

[Australian Journalists' Association - MEEA]

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