Chrys Chrystello
Crónica da desesperança
Crónica 130, da desesperança 230 17.1.2019
Telefonaram-me há dias a dizer que liam as minhas crónicas e elas eram muito apocalíticas e eu era um cavaleiro de desgraças futuras. Tenho andado a matutar no tema e estou prestes a conceder razão ao meu interlocutor.
De facto, para quem nasceu no fim da primeira metade do século passado, crescendo com a silenciosa mordaça cinzenta e salazarenta, cresci a sonhar com a Europa e a liberdade que eu invejava aos que viviam lá fora. Veio o maio 1968, mais primaveril que a Primavera de Praga, era tempo de amor e flores no cabelo em São Francisco e em Woodstock, enquanto a GNR a cavalo subia as escadarias do vetusto edifício da Universidade do Porto (nos Leões) atrás dos que tinham a ousadia de se querer manifestar contra a guerra colonial que ceifou, mutilou e destroçou corpos e mentes brilhantes aos da minha geração. Nesses dias até um colega com 21 dioptrias ficou apurado para todo o serviço, não havia carne suficiente para tanto canhão, manipulados pelos jogos de dominó (como lhes chamou Henri Kissinger) dos EUA e da URSS.
Quando Salazar caiu da cadeira e lhe sucedeu o homem das nefandas e nefastas “Conversas e Família” no pequeno ecrã a preto e branco (Dom Marcelo I, o Caetano) houve quem acreditasse na sua “primavera” que nem chegou a florir tão outonal e invernal se veio a manifestar. Os estudantes eram esclarecidos e ativos, enquanto os políticos na clandestinidade e no exílio faziam o seu trabalho de sapa e havia esperança em dias melhores nas nossas mentes irrequietas. Quando abril despontou nesse mês primaveril de 1974 acreditou-se em sonhos que não eram ainda sonhados pelos homens que pegaram nas armas e as plantaram de cravos.
O resto da história já vocês conhecem e apenas a arqueologia futura pode decifrar ou reinterpretar. O verão que se seguiu à primavera foi quente e desde então vieram os outonos e os invernos que nos assolam hoje, sem esperanças algumas, nem sonhos.
Hoje a florida europa de todos tornou-se mais uma vez numa Europa de alguns, sem ideias nem futuro, enquanto nova guerra não chega. Dizem os otimistas que assistimos a um longo período de Pax Europaea, enquanto os pessimistas falam em estertor.
Olhando em volta neste globo conturbado por desastres, guerras e calamidades, a que todos parecem impérvios, constato a generalizada incapacidade de reação, de choque, medo, piedade. Apática a mole humana mais se assemelha a um exército de zombies com ecrãs nas mãos.
Ainda ontem nas esplanadas da marginal de Ponta Delgada fiz uma análise dos convivas ao sol de fim de tarde e apenas uma mulher não detinha um telemóvel tátil nas mãos (ia quase avisar a PSP, seria ela uma perigosa sociopata, psicopata ou terrorista?), os restantes perderam a capacidade de conversar de viva voz e qualquer dia voltam à idade das trevas e cavernas e só falam por grunhidos ou SMS (mensagens de texto).
Enquanto isto acontece inventam-se novas fórmulas mágicas para evitar os “chumbos” escolares e qualificar com licenciaturas todos, independentemente dos seus méritos ou conhecimentos, para mais tarde, maleavelmente serem conduzidos às urnas de voto, sem capacidade crítica para pensar ou interpretar. Esta a desesperança em que vivo mais do que justificada de colocar letreiros como este
Para o Diário dos Açores e Diário de Trás-os-Montes Chrys Chrystello, Jornalista [MEEA/AJA (Australian Journalists' Association – Membro Honorário Vitalício nº 297713,) carteira profissional AU3804]