Ana Soares
Cuidados paliativos, cuidados de amor
Sempre considerei os cuidados paliativos uma dimensão particularmente humana dos cuidados de saúde. Na verdade, ter como missão o cuidado da pessoa – no seu todo – em fim de vida é ter a sua cargo, não só o doente em si, mas toda a sua família. É ter, na cama, um doente cuja doença e sofrimento conexo, com prognóstico de vida limitado, exige cuidados para um fim de vida sem dor, mas ter também toda a família pendente de cuidado. É o humanismo na saúde no seu estado mais puro.
Em Abril deste ano, deixei de ter apenas conhecimento teórico, ou por relatos de terceiros, do que são os cuidados paliativos. Após um diagnóstico terminal - devastador para a família já que o próprio não se apercebeu conscientemente do mesmo - o meu Pai terminou os seus dias na Unidade de Cuidados Paliativos da Unidade Hospitalar de Macedo de Cavaleiros.
Alguns familiares de outros doentes, com que tive a oportunidade de falar durante o internamento do meu Pai, disseram-me que receberam a notícia de internamento nos cuidados paliativos com uma carga muito dolorosa. A minha opinião é diferente. Considero que a comunicação da doença (tantas vezes feita sem atender ao contexto circundante e em condições nada humanas) e, quando é caso disso, da consciencialização do curto período de vida restante, é a parte dolorosa. Para mim, receber a notícia de internamento do meu Pai nos cuidados paliativos foi o melhor que me podia acontecer na altura, representou um enorme alívio, pois sabia que estaria no melhor local em que poderia estar. Ainda assim, na verdade, as expectativas que tinha foram claramente superadas.
O processo de morte de um Pai – ou de qualquer outra pessoa que amamos – nunca é fácil. Agarramo-nos a pequenas coisas, para conseguirmos gerir a dor, a sucessão de dias e aquilo que nos continua a ser exigido: trabalho, família, … Dentro dos dias que, tantas vezes, passam como uma realidade a que estamos a assistir, importa mais que tudo a pessoa doente e o estar o melhor possível nesta fase particularmente frágil. Aliás, não é em vão que popularmente se diz que a melhor morte é “a dormir” remetendo exactamente para a ausência de dor e sofrimento. Nos cuidados paliativos vi o meu Pai a aumentar a suas fragilidades, mas nunca a queixar-se com dor. Vi-o a falar com a minha Filha de 5 anos e como, na sua presença, comeu a refeição com mais vontade. Vi uma equipa multidisciplinar, sempre com tempo, sempre serena e sempre atenta aos cuidados também da família. A título de exemplo, tendo o meu Pai falecido perto dos aniversários das minhas Filhas e de quando fazia um ano do falecimento da minha Mãe, houve profissionais da equipa multidisciplinar que cuidava do meu Pai sempre atenta a como estávamos nós; numa altura em que eu só pensava dar colo – ao meu Pai, às minhas Filhas – a equipa esteve pendente que não me faltassem as forças para o poder fazer e isto não é limitar-se a cumprir a sua missão, é fazê-lo com total brio profissional, com profissionais de excelência no local certo, mas também de pessoas que sabem cuidar com amor.
Muitas vezes criticamos o SNS por não ser um verdadeiro Serviço Nacional de Saúde e, em muitos casos, é bem verdade. No entanto, temos verdadeiros exemplos do oposto em algumas especialidades hospitalares e no empenho de tantos médicos de família, enfermeiros e técnicos na nossa região. No que diz respeito à Unidade de Cuidados Paliativos da Unidade Hospitalar de Macedo de Cavaleiros – mas também às outras espalhas pelo distrito e também aos cuidados domiciliários hospitalares, do que tenho conhecimento – não vejo forma da sua missão, que é particularmente difícil, ser cumprida com maior humanismo e profissionalismo. Está na hora de desmistificarmos a morte e o processo pelo qual – tantas vezes – temos que passar até ela chegar. Saber da excelência dos cuidados paliativos que são prestados na nossa região é, na minha opinião, uma excelente ajuda para o fazer e é nesse sentido que escrevo esta crónica, assim como para – mais uma vez – agradecer e reconhecer o excelente trabalho que está a ser feito. Bem-hajam!