Chrys Chrystello

Chrys Chrystello

Custa manter a senilidade

Palavra de gente de bem que me custa a manter esta senilidade, confinado a meia dúzia de paredes que tão bem conheço e poderia descrever de olhos fechados.

CUSTA A MANTER ESTA SENILIDADE

 

Palavra de gente de bem que me custa a manter esta senilidade, confinado a meia dúzia de paredes que tão bem conheço e poderia descrever de olhos fechados. Já passaram os 14 dias e outros se seguiram sem respirar o ar pouco poluído desta freguesia rural micaelense onde habito.

Nas redes sociais (mais ensurdecedoras que nunca) pululam os salvadores da pátria (“Chega”) com suas tiradas xenófobas radiantes da certeza de que em breve dominarão o mundo (eu não estaria tão certo!), com eles outros clamam a atenção para as suas opiniões  sendo todos, subitamente peritos em economia, doenças infeciosas, confinamento, turismo, emigração, saúde, eu sei lá…tanto perito a brotar quem cogumelo como os xenófobos do Chega. E eu que nada sei e apenas me rejo pelo pouco senso comum que me resta fico dividido entre a minha paixão pelas liberdades pessoais invioláveis e a necessidade de quarentena. Todos têm soluções para a pandemia, desde deixar os velhos e frágeis morrer como nos ensina a Holanda, ao oposto de salvar os velhos e frágeis, desde os que pretendem salvar a economia (não deve servir de muito para os mortos) aos que pretendem salvar os vivos e mandar a economia às  urtigas…há de tudo por esse mundo fora.

E eu aqui isolado neste senilidade que me consome por pertencer aos grupos de maior risco, rodeado pela mulher que ainda é mais grupo de risco que eu, por um jovem filho que deixou de trabalhar e de sonhar com a sua sempre adiada ida ao Japão, pela incerteza sobre o futuro dos meus colóquios da lusofonia que iam na 33ª edição e ora se encontram em animação suspensa por incógnitas a que nem eu sei responder…

Sinto que o mundo se tornou numa enorme praça forte sitiada por todos os lados por esse inimigo invisível e as armas e os canhões de que dispomos para nada servem contra esse inimigo invisível que nos mina e sem darmos conta estamos mortos, sem saber. A medicina que foi sempre uma ciência, pouco mais exata do que a previsão de terramotos, anda totalmente à deriva sobre como combater esse inimigo invisível camuflado em mais do que uma maneira, que nem um camaleão, sem antídotos nem vacinas nem sequer chegando a consenso sobre quais as medidas de combate e contenção a assumir.

E de repente, o mundo ficou suspenso, a economia a aguardar a morte anunciada, a fortaleza a desfrutar dos viveres que armazenou, ainda nos cuidados paliativos pois não há unidades de cuidados intensivos que cheguem para tanta gente. Por todo o lado, pessoas com a sua agenda pessoal, política ou outras proclamam as medidas que deveriam ser tomadas e não são, e cada pessoa a tentar interpretar a lei da quarentena como bem entende, e ainda muitos não entendem a diferença entre o atual regime de confinamento e a prisão domiciliária, aiatolas que se tornaram do correto e universal. Um passeio higiénico a sós, mantendo distâncias ainda não é ilegitimo nem proibido, mas fazer férias na praia é proibido, saibamos ao menos distinguir.

 E eu que me mantenho na mesma senilidade sempre abrigado, neste meu castelo da Lomba da Maia, começo a fartar-me de tanto perito (não falo da TV onde os que ontem falavam de futebol hoje falam de saúde….e por aí adiante), e tento evitar ao máximo riscos de contágio e de contactos, com medo da imbecilidade de tantos que por aí andam como se nada se passasse. Sei que depois disto a vida nunca mais será como era dantes, mas nem um só dentre nós sabe se iremos aprender algo com esta lição, ou se alegremente iremos tornar a repetir os erros da civilização desenfreada em que vivíamos antes disto.

Há demasiadas incógnitas, demasiadas variáveis, demasiadas  premissas e a vida humana que andava pelas ruas da amargura no meio de tanta guerra e injustiça, pode voltar a aumentar de valor e – mais do que nunca – precisa de muita injeção, de muita vacina de solidariedade contra o egoísmo do capitalismo selvagem que tomou conta do mundo nas últimas décadas.

Por favor mantenham-se vivos que é a única hipótese de eu me manter também vivo.


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