Ângela Bruce

Ângela Bruce

Cydonia Oblonga- “Marmeleiro”

Já vos relatei que as minhas aptidões para as lides do campo nunca foram realmente desenvolvidas! Não por falta de oportunidade, mas sim por me faltar o jeito e a vontade! De maneira que o marmeleiro figura na curta lista de culturas eleitas por mim, para plantar na borda da horta, pois a sua manutenção é miníma!  E claro está, durante os meses de outono, brinda-nos com um dos meus frutos favoritos “o marmelo”!

Proveniente da Ásia Ocidental e trazida até nós pelos romanos, esta planta arbustiva da família das rosáceas, cultiva-se desde os tempos babilónios. A produção do seu fruto, o marmelo, continua a ter grande impacto na economia de algumas regiões do globo. Até por cá o cultivo do marmeleiro tem vindo a aumentar!

Aclamado pelos seus inúmeros benefícios medicinais e pela sua riqueza nutricional, este fruto amarelo-dourado foi também, na antiguidade, símbolo de fortuna, fertilidade e amor. O marmelo tem figurado à mesa de reis e aristocratas e as mais antigas receitas com marmelo e mel remontam ao sec. VII a.c.  A confeção mais tradicional deste fruto é, sem dúvida, por terras Ibéricas, a marmelada, que há secúlos ocupa à nossa mesa lugar de destaque.

As apreciações que aqui vos irei fazer sobre a confeção deste fruto não são assim tão antigas e remontam apenas aos tempos em que era garota. A meio do mês de outubro começavam a aparecer, lá em casa, cestas e baldes aborbinados de marmelos que, sem esse propósito, iriam aromatizavar a casa inteira.

A riqueza gastronómica dos meses de outono é fantástica e compõem o menú pratos como as nabiças, o pote das castanhas, as pinheiras refogadas, o guisado de cabaçote, o doce de cabaça,  o marmelo assado e, está claro, a tão afamada marmelada.

Lá em casa, a empreitada de transformar a polpa deste fruto numa pasta doce requeria a criação de uma linha de produção. O processo era simples. Sentadas no escano, eu e a irmã mais nova procedíamos, com um rodelo velho, à limpeza dos marmelos que a mãe iria botar a cozer na caldeira, pendurada no gantcho do tchupão.

Com cautela ia-se testando a cozedura dos marmelos e retiravam-se os que já estavam prontos. Depois, com a ajuda de um garfo espetado no marmelo cozido e uma nabalha, impeçava-se a esbulhar e a cortar a fruta aos cibos para o tacho de esmalte. A fase seguinte envolvia o extraordinário utensílio de cozinha, passe-vite, que depois de manuseado por uma das operárias mais novas - por norma, eu - iria transformar os pedaços de marmelo em puré!

Terminada esta parte, pesava-se o puré obtido e calculava-se a quantidade de açucar a juntar-se-lhe.  Usava-se para estas ocasiões a maior caçoula que houvesse na casa, onde a mãe botava o açucar e acrescentava um pouco de água. Depois, era só esperar até obter uma calda e aí, então, acrescentava o puré de marmelo ao açucar em ponto. Em lume brando, deixava-se ferver, o puré, mas sempre com a cautela de ir mexendo a caçoula para que se não esturrasse a marmelada! Entretanto, cascavam-se alguns marmelos que tinham sido assados à borda do lume, seriam cortados aos cibos para um prato e polvilhados com açucar e um pouco de canela! Era certinho serem a nossa merenda e era, sem dúvida, a melhor parte da empreitada.    

Por fim, o fogão era desligado e, sem demora, a mãe, com a colher do caldo, lançava aquela pasta doce para as malgas, que ficariam a arrefecer na sala, junto aos frascos com o doce de pabia. Depois de arrefecidas, as malgas de marmelada iriam figurar à mesa e na cesta da merenda durante todo o inverno.

A água da caldeira, bem como os caroços do marmelo, seriam aproveitados para se fazer a geleia que serviria, mais tarde, de recheio às deliciosas filhoses de Natal.

Já em adulta, e depois de desenvolver as minhas aptidões culinárias, comecei a confecionar o marmelo em doces para tartes e purés para acompanhar carnes assadas. Além disso, a mais recente criação é o crumble de marmelo que vos confesso ser sublime. Mas estas são outras histórias que vos contarei numa próxima vez!


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