Manuel Igreja
D. Antónia Adelaide: Uma mulher muito além.
A FERREIRINHA. Não existe duriense mais novo ou mais novo, que não conheça este nome e não ouça este brado em toda a região, apesar de já se terem passado 127 anos após o seu falecimento. A senhora de que vos falo, feneceu no dai 26 de março de 1896, na então vila do Peso da Régua sua terra natal.
Antónia Adelaide Ferreira nascida no ano de 1811, atravessou em pleno e plenamente o século XIX, época feita por homens e para os homens. As mulheres pouco mais eram do que para serventia, para servirem ou para serem servidas quando as condições de nascimento o permitiam.
Aliás, o nascimento era em grande parte a condicionante principal, num mundo de equações sem variáveis. No entanto, como se costuma dizer, não há regra sem exceção. Há sempre alguém que resiste, alguém que se não conforma, alguém que se transforma e faz a transformação das coisas e das loisas.
D, Antónia, carinhosamente, A Ferreirinha, foi uma dessas. Nascida no campo numa família de viticultores e pequenos comerciantes de Vinho do Porto, soube granjear e colher, soube fazer expandir o negócio que herdou, mas que em grande parte construiu. Extravasou a cerca física e mental do pequeno mundo a seus pés, passou barreiras e fronteiras, enriqueceu e fez enriquecer.
Criou vinhedos novos onde antes somente havia fraguedos, comprou outros a quem por necessidade tinha de vender, mas sem se aproveitar. Expandiu e fez frente a interesses instalados. Tornou-se cosmopolita enquanto empresária, quase sem necessidade de ver o mar. Correu o Douro vinhateiro para cima e para baixo e fê-lo florir em parras de videira.
Conseguiu influenciar preços fazendo frente aos poderosos comerciantes ingleses, e soube resistir à terrível filoxera que dizimou tudo quanto era vinha neste nosso microcosmo de Deus Nosso Senhor. Calcorreou montanhas e vales, navegou o rio, sem nunca perder o fio condutor dos seus intentos e dos sustentos que lhe cabiam ou que tinha como de sua obrigação.
Nunca se vergou. Soube e consegui enfrentar o poderosíssimo Duque de Saldanha quando ele como se dono do mundo fosse tentou casar o seu filho com a filha de D. Antónia, Assunção de sua graça e menor com onze anos de idade.
Recusou-lhe na cara o enlace e fugiu com a moça para Londres onde não chegavam as garras do Duque que agia como se tivesse o rei na Barriga, coisa que pouco lhe faltava. Nada dada a vaidades que fossem para lá do lindo das vinhas e da qualidade dos vinhos, recusou ao Rei D. Luiz o título de nobreza com que ele a quis agraciar.
No entanto, fez questão de o receber com preceito no seu palacete das Caldas do Moledo quando sua majestade visitou a região. O rei deixou bons apoios a instituições da região e ela soube agradecer. Não impou, não se vergou, mas soube estar à altura das pessoas e das circunstâncias.
Foi uma senhora muita rica ao ponto de ter sido uma das pessoas mais ricas do Portugal do seu tempo, mas nunca foi uma pobre pessoa rica. Soube distribuir e distribuiu. Sentiu que tinha a obrigação de apoiar e apoiou, ainda que olhando sempre como e a quem.
São inúmeras na região as obras por si patrocinadas e apoiadas. Por isso ainda hoje o seu nome é uma reverência e uma referência. Soube ser, soube viver e soube morrer.
Dizem os relatos da época que no seu funeral se estendeu uma fileira de pessoas de mais de sete quilómetros entre a sua casa na Quinta das Nogueiras em Godim, e o cemitério no alto da Régua, implantado num bom pedaço de terreno por si doado.
Mais não fosse, esta seria a mais cabal prova de que a Ferreirinha, foi uma grande mulher que se não ficou pelos limites que estavam definidos porque a sua visão estava muito mais além. No seu presente, ajudou a construir este nosso futuro que vai ser o passado dos que nos seguem.
Por isso foi grande num mundo em que tinha tudo para que o não fosse somente porque era mulher. Foi diferente nunca ficando indiferente. Marcou e chegou até hoje em obra e em história. É uma realidade sustentada por gavinhas na memória.