Chrys Chrystello
Da esperança como forma de vida.
Crónica 172 da esperança como forma de vida. 8/7/17
Rezam as crónicas que sou moderadamente otimista desde há muitas décadas, baseado no princípio de que as coisas podem sempre ser piores mas também podem vir a melhorar, e, normalmente, a vida convalesce connosco. Acredito piamente que a sorte se constrói com muito trabalho e esforço e creio que o destino – ao contrário de várias correntes de opinião – não está previamente traçado. Porventura, estará delineado para a carneirada que não pensa nem se dá ao trabalho de agir. Para os restantes, os poucos que sabem ser bípedes pensantes, o destino é feito de altos e baixos que vamos construindo e destruindo ao longo das decisões que tomamos.
Dito isto, nunca me arrependi de nenhuma decisão, mesmo as que provaram serem um fracasso total, pois na data em que as tomei decerto me pareceram as melhores, sopesados os prós e contras. Posteriormente, tal como sempre tentei fazer, exerci o meu direito de autocrítica e autoavaliação psicológica das minhas ações e – quando o soube ou quando o pude – fiz as correções que entendi necessárias.
Nos meus anos mais jovens, digamos entre os 17 e 23 (1967 a 1973), desde que entrei na Faculdade e comecei a ter um interesse ativo e prático na coisa pública e política a vida deixou de ter duas tonalidades (o branco e preto) e adquiriu centenas de tonalidades de cinzento. Não podíamos ter nessa época associações de estudantes, mas um pequeno interstício legal permitia que criássemos uma Pró-Associação de Estudantes e foi isso que eu e outros fizemos, sob o olhar condescendente das várias entidades repressivas da época. A principal atividade e fonte de receitas era a de copiar sebentas de matérias para os alunos do curso, depois começamos a organizar convívios (Faculdade de Economia do Porto) no final do ano em pleno Palácio de Cristal (hoje Pavilhão Rosa Mota) onde tínhamos um ou dois grupos de música pop, um Manuel Freire (para os mais intelectuais) e uma Maria da Fé para os mais popularuchos. Não havia liberdade, não havia democracia mas havia seres pensantes e conseguíamos agradar a todos. (Hoje só há pimbas).
Nessa época qualquer jovem vivia com dois dilemas fundamentais (caso fosse um ser pensante, havia ainda alguns naqueles tempos) um, era a espada de Dâmocles da malfadada tropa (o exército colonial português que decepava as vidas e esperanças dos jovens ao enviá-los para uma guerra colonial que ninguém queria nem entendia), a outra era o facto de não pertencermos à Europa nem ao mundo naquela política do “orgulhosamente sós” a que a ditadura salazarenta se agarrava. No que conseguíamos ler e ouvir queríamos ter a liberdade de um Woodstock americano, das manifs de estudantes de Paris em 68-69 e subsequentes em vez de vivermos sob uns “brandos costumes” que me obrigaram a pagar uma multa de 2$50 (dois escudos e cinquenta avos) por andar descalço no acesso à praia mas antes desta…ou que me obrigavam a uma multa (creio que de 250$00) por não ter licença de porte de “arma” (neste caso a “arma” era um isqueiro). Alguns colegas eram “bufos” não só da PIDE mas das atividades económicas e ao denunciarem o meu uso de isqueiro sem licença ganhavam 50% da receita…
MAS HAVIA ESPERANÇA, a guerra colonial acabaria, tal como a Guerra do Vietname iria acabar e a democracia haveria de chegar a Portugal como chegou a alguns países da Europa após a segunda grande guerra. Não sabíamos era quando…lembro que enquanto estive como aspirante a oficial, no RAL4 em Leiria, nos passeios longos de tertúlia com o malogrado (então major) Melo Antunes nas margens do rio Lis entre março e setembro 1973 ele me dizer que se estava a preparar algo para daí a dois ou três anos (no pior cenário seriam uns cinco anos). Falava-se de vida, de filosofia, de aspirações e sonhos e felizmente vivi o suficiente para ver a maior parte desses sonhos concretizados. Mas NUNCA, JAMAIS esquecerei o que era viver sem liberdade (especialmente a de expressão e d epensamento).
Antes do 25 de abril em Portugal havia uma coisa chamada lápis azul, ou censura, que em 1972 me cortou 70 páginas a um livrinho de poemas adolescentes que publiquei então com cerca de trinta páginas…
Estava em Dili, Timor, na noite de 25 de abril 1974. Leio o que escrevi em 1999 no meu livro “Timor-Leste, o dossier secreto 1973-1975”
Era hora de jantar e eu estava de Oficial (Ajudante) de Dia no Quartel-general. O idoso Oficial de Dia já estava há muito a olhar para o seu umbigo, depois da sua rodada habitual. Tony Belo, operador da Telecom local, a Rádio Marconi, ligou a dizer-me que eu ia ter uma chamada telefónica uma hora depois. Chamei o condutor de serviço para ligar o Jeep e passados quinze minutos estava em Díli, ansiosamente esperando ‘a chamada’.
Pressenti tratar-se de algo muito importante, pois já concordara com a família que só haveria telefonemas em caso de emergência. Já há muito que confirmara que toda a correspondência era sujeita a censura prévia e as chamadas gravadas.
Sem perder tempo, pedi ao condutor para passar por casa, onde comuniquei aos colegas de habitação (o cirurgião Carlos Prata Dias e António Proença de Oliveira, da Repartição dos Serviços de Agricultura) o que ouvira.
Pedi-lhes o máximo sigilo, liguei a rádio de ‘ondas curtas’ e regressei ao Q.G. onde anotei no relatório que nada havia a assinalar da ‘ronda’ pela cidade.
Durante o resto da noite, escutei avidamente os noticiários da BBC, Rádio Austrália e toda uma série de emissoras (até ouvi a Rádio Paquistão, pela primeira vez).
Na manhã seguinte, o camarada Freitas, que me ia render, pergunta se havia novidades de Portugal.
Sem confiar em ninguém depois do que se passara com a controvérsia no jornal no mês anterior, respondi: “Nada, que esperavas?”
Ramos Horta recordava assim em 2015 numa entrevista ao Expresso
--“naquela manhã, um militar português, Chrys Chrystello, que ainda está vivo, um daqueles oficiais anticolonialistas apareceu e deu-me um grande abraço. Aí, é que acreditei que as coisas estavam a mudar…”
ver no fim
O resto é já história, o 25 de abril trouxe, de facto, a liberdade de pensamento e de expressão e muita água correu sob as pontes da minha vida até ao dia de hoje em que me vejo confrontado por uma sociedade mais desigual do que nunca, de uma falsa fluência consumista. Uma sociedade comandada à distância por grupos obscuros da finança que controlam a maior parte dos países e seus governantes, e conduzem a maior parte da população a novas formas de escravatura, dissimulada ou não, reduzindo a capacidade de as pessoas escolherem livremente o seu rumo, encarneirando-as rumo a um abismo como o célebre “Pied Piper of Hamelin” e os lemmings que se atiravam do precipício ao som da flauta mágica antes de ele raptar todas as crianças dado que os habitantes não lhe pagaram o que era devido por ele se ter visto livre da praga de ratos. Muitos conhecem a história sem saber que ela se baseia em eventos reais ocorridos em 1284 naquela cidade da Baixa Saxónia na Alemanha.
Ora é neste mundo rapidamente evolutivo que me encontro neste ocaso de vida (a geração da minha avó nascida em 1885 e a minha em finais da guerra estavam mais perto uma da outra do que as gerações dos meus filhos e dos meus netos onde existe já um fosso civilizacional e tecnológico apreciável). O meu filho mais novo está agora numa fase semelhante à minha em finais dos anos 60. Já não há guerra colonial mas há guerras (declaradas umas, outras não) um pouco por toda a parte, nunca a humanidade viveu tão bem materialmente como agora mas também nunca houve tanta miséria como hoje. Nunca houve tantos letrados no mundo nem tantos iletrados, o acesso universal à informação avassala as pessoas que não estão programadas para pensar, para tomar decisões, para fazerem escolhas. Por outro lado, muitas das teorias da conspiração confirmam-se e desconhecemos as que nos ocultam. E eu a precisar de lhe dar conselhos e a ajudá-lo a acertar o rumo sem saber como. Nada do que eu cria é hoje real, nada do que me regeu em termos de princípios, ética, moral, vale um chavo.
Este já não é o meu mundo tal como não é o da minha mãe, que do alto da sua sabedoria de 94 primaveras repetidas vezes o proclama. Por mais que me atualize tecnologicamente, a evolução foi de tal forma rápida que todos os princípios por que me regi deixaram d éter o valor absoluto que tinham.
Sei que o feudalismo transmontano a que assisti na minha juventude não volta mais, mas apercebo-me de novas formas e cambiantes de opressão – umas mais dissimuladas que outras – que substituem essas relações feudais por outras em que as pessoas até têm direito a voto mas esse voto de nada serve, a não ser para darem a aparência de liberdade de escolha. Esse voto vai apenas sufragar as escolhas que outros fizeram em nosso nome, não muito diferente do voto na velhinha Assembleia Nacional salazarenta…
E é isto: a esta geração falta a ESPERANÇA que nos movia, são todos uns zombies dependentes dos seus aparelhos permanentemente conectados onde a realidade virtual tem mais valor do que a real.
Mas como me dizia o amigo e cientista José António Salcedo quando estabelecíamos comparações entre hoje e as nossas tertúlias filosóficas do final da década de 1960: “a realidade não existe, fora das nossas conceções…”
Essa é também a opinião de alguns cientistas australianos que demonstram que a realidade não existe de acordo com a física quântica.
Uma experiência realizada por cientistas australianos provou aspetos bizarros e complexos da física quântica que podem ser um tanto quanto complicados de entender. De acordo com o trabalho desenvolvido por uma equipe de físicos da Universidade Nacional da Austrália, a realidade não existe até que possa ser medida. Para chegar à conclusão, os pesquisadores colocaram em prática o Experimento de Escolha Demorada, de John Wheeler, para comprovar que tudo depende da medição. O professor adjunto da Escola de Pesquisa Física e Engenharia da UNA, Andrew Truscott, explicou, em outras palavras, que “em nível quântico a realidade não existe se você não está olhando para ela”. Seria como colocar um gatinho dormindo dentro de uma caixa de papelão e fechá-la. O gatinho não será real para um visitante que não sabe o que a caixa contém, até que ela seja aberta e revele o seu interior. Isto levanta uma questão básica: se há um objeto, quando ele decidirá se comportar como uma partícula ou como uma onda? O misterioso comportamento da luz é um exemplo. Você pode ver o efeito mesmo quando uma luz brilha através de duas fendas estreitas. A luz se comporta tanto como uma partícula, passando por cada ranhura e lançando luz direta na parede por trás dele e como uma onda, gerando um padrão de interferência, resultando em mais de duas faixas de luz. Deduzindo a partir do senso comum, o objeto deveria ser uma onda ou uma partícula, independentemente da forma como é medido. No entanto, os cientistas australianos conseguiram demonstrar o que a física quântica defende: a maneira como esse objeto será medido é que definirá se assumiu um comportamento de uma onda, ou uma partícula. Na época em que o experimento de John Wheeler foi proposto, em 1978, não havia tecnologia possível para realizar a experiência, que contou com feixes de luz devolvidos por espelhos. Agora, no entanto, a tentativa foi recriada usando cem átomos de hélio espalhados em estado de suspensão, conhecido como condensado de Bose-Einstein. Em seguida, eles foram ejetados, até restar somente um átomo. Depois, deixaram o átomo passar através de um par de raios laser, propagados em direções opostas, formando um padrão como se fosse o desenho de uma rede, como uma grade sólida que iria dispersar a luz. Aleatoriamente, foi adicionada uma segunda rede de luz para combinar novamente os caminhos, depois de o átomo ter passado pela primeira. Era esperado que o átomo sofresse interferência construtiva ou destrutiva, caso tivesse viajado tanto como uma onda ou como um átomo. Mas quando a segunda grade foi adicionada, não se observou interferência, como se o átomo tivesse escolhido apenas um caminho. Resumindo (se for possível): esperava-se que o átomo de hélio se comportasse como a luz, ou seja, passaria pela grade como uma partícula ou como uma onda. Nesta experiência, um segundo conjunto de grades de laser foi ativado aleatoriamente apenas após o átomo ter passado através da primeira. Como resultado, os pesquisadores descobriram um padrão de interferência ondulatória no comportamento dos átomos, uma vez que passaram pelo segundo conjunto de lasers. Mas se não houvesse um segundo conjunto de lasers, os átomos se comportariam como se fossem partículas e seguindo apenas um caminho. Se alguém escolhe acreditar que o átomo pegou um caminho em especial, isso significa que uma medição futura está afetando o passado do átomo. A respeito disso, Truscott explicou: “Os átomos não viajaram de A a B. Foi só quando eles foram medidos no final da viagem que o seu comportamento ondulatório ou partícula semelhante foi trazido à existência". [Fonte: RT , ANU Crédito: agsandrew / Shutterstock.com]