Ana Soares

Ana Soares

Da falta de escrúpulos e das consequências perversas

A reportagem emitida pela TVI sobre a “Raríssimas” chocou todo o País. Quem, como eu, contribuiu para esta Associação – ou aqueles que não o tendo feito directamente contribuíram com os seus impostos – ficaram escandalizados e verdadeiramente chocados com a falta de vergonha e de escrúpulos com que o dinheiro foi gerido. E tudo o que se possa dizer a este respeito é muito pouco face à sacanagem de uma teia muito bem montada que escondia muita podridão por detrás de uma imagem respeitável.

Acredito – e sobretudo espero – que as consequências deste assunto não se fiquem pela demissão (ainda não formal) da Senhora Presidente da Associação e do Senhor Secretário de Estado. A vida pública tem que ser escrutinada por quem tem essa missão de forma rigorosa e séria, advindo consequências duras para quem rouba (porque é disso que se trata) dinheiro que deveria ser utilizado para causas sociais. Portanto, há certamente muito a esclarecer. Desde logo, importa que se tornem públicas as conclusões das auditorias e as contas desta Associação para se perceber o que de facto se passa e para que a culpa não morra solteira ou que não atinja só aqueles que primeiro apanharam com os estilhaços do escândalo.

Considero que, além do cabal esclarecimento que se impõe, importa que sejam repensados e salvaguardados três pontos fundamentais, nomeadamente o deslumbramento e a responsabilização dos órgãos colegiais; o papel fiscalizador do Estado e o não prejuízo para o trabalho meritório realizado pelo terceiro sector.

A grande maioria das IPSS trabalha bem e tem um papel fundamental na sociedade. Que não restem dúvidas quanto a este facto. Aliás, quem já tenha feito voluntariado ou tido alguém próximo que tenha necessitado dos seus cuidados facilmente subscreve esta afirmação. Isto sem prejuízo de nas IPSS, como em outras instituições privadas ou públicas, haver sempre quem prevarique e acabe por esquecer a causa meritória que devia reger o seu papel em nome de um deslumbramento social e económico. Casos destes há em organismos públicos e privados com apoio do Estado, onde quem manda se rodeia por quem diz sempre que sim e acaba por gerir tudo como se de coisa sua se tratasse. Muitos dos problemas surgem quando nós, enquanto cidadãos, nos demitimos de responsabilidades que assumimos. Veja-se a quantidade de pessoas que, fazendo parte de Órgãos Colegiais (em particular da Raríssimas, mas acontece o mesmo com outras instituições) dizem que não sabiam ou não tinham conhecimento do que se estava a passar. Importa responsabilizar e clarificar, de uma vez por todas, que quem assume um cargo é para o cumprir e não apenas porque simpatiza com a causa e, diga-se em abono da verdade, porque até fica bem socialmente fazer parte dos órgãos de qualquer instituição de solidariedade social.

Por outro lado, e como acontece em tantos outros sectores, é visível uma incapacidade dos serviços do Estado em cumprir a sua missão de fiscalização. Mas também aqui sejamos claros: não podemos exigir, por um lado, uma fiscalização efectiva e habitual e, por outro lado, criticar qualquer aumento do número de funcionários públicos e da sua remuneração ou melhoria de condições de trabalho. Há funcionários públicos mal alocados e avaliados? Há certamente. Mas então façamos avaliações sérias às necessidades de cada serviço e a cada trabalhador, de modo a que os recursos humanos sejam reorganizados e alocados onde fazem falta para que o Estado cumpra escrupulosamente os seus deveres. Mas deixemo-nos de falácias e de comportamentos bipolares: as tarefas incumbidas ao Estado exigem trabalhadores qualificados para as realizar, em número suficiente e isso custa dinheiro. É, isso sim, um gasto necessário e que certamente evitará a existência das gorduras e despesas mal realizadas pelo Estado que estão, muitas vezes, exactamente em casos como este em que o dinheiro do Estado não é correctamente gasto e em que os prevaricadores utilizam as brechas criadas pela insuficiência dos recursos humanos estatais.

Por último, preocupam-me as consequências nefastas deste caso para o terceiro sector. As iniciativas privadas de utilidade pública são uma mais-valia e uma necessidade da nossa Sociedade. Há bons e maus em todo o lado (público e privado, reitero), mas não podemos deixar que um caso repugnante e asqueroso nos faça esquecer o trabalho meritório que tantas associações fazem em Portugal. Aliás, importa que a própria causa da “Raríssimas” seja salvaguardada, porquanto é indubitavelmente uma associação cuja função é única e primordial para muitas famílias. Sejamos exigentes com as falhas sociais e do Estado, mas não deixemos que isso prejudique quem realmente necessita e as Instituições Privadas de Solidariedade Social que são tantas vezes a única ajuda que os mais necessitados têm. Saibamos separar o trigo do joio e continuar a ser um povo exemplar na ajuda a quem realmente precisa.

Votos de Feliz e Santo Natal para todos os que fazem o favor de ler as minhas crónicas e de um ano de 2018 repleto de sucessos pessoais e profissionais.


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