Ana Soares

Ana Soares

De boas intenções…

Ao longo dos anos, muitos foram os discursos – mais ou menos empolgados, mais ou menos populistas – sobre a via que finalmente criaria o primeiro quilómetro de auto-estrada no nosso distrito de Bragança e de como a mesma seria sinónimo de desenvolvimento, riqueza, competitividade, emprego e progresso. Depois de reivindicações e trabalho político que se repetiram ao longo de vários anos, a A4 passou a ser uma realidade palpável, para que muito contribuíram – diga-se em abono da verdade – parte dos autarcas do nosso distrito e a insistência da população.

A verdade, é que com o aproveitamento do troço do IP4 para a construção da A4 começou-se a adivinhar um problema que considero que será bem prejudicial para a nossa região: a inserção de portagens entre Vila Real e Quintanilha, o que se veio a confirma. Importa por isso que, com a garra que caracteriza os transmontanos, saibamos reivindicar a não existência de portagens, sem nos fazermos de “coitadinhos”, pois é coisa que não somos, título que não queremos e discurso com que nada ganhamos.

O princípio do utilizador-pagador, que o Governo afirma ter que ser universal é um princípio que, como todos os outros, tem que admitir excepções em nome de valores mais altos como a justiça e a dignidade, pois o que está em questão não são favores ou benevolência. É fazer justiça a uma região que tem sistematicamente vindo a ser esquecida nas alturas mais convenientes, mas que está no primeiro plano quanto é necessário fazer sacrifícios pela coesão nacional. Pois muito bem. Orgulhosamente portugueses importa também exigirmos que a cooperação e apoio tenha dois sentidos e a A4 é um exemplo nesse sentido.

Não importa aqui referir os motivos pelos quais a A4 é fundamental para o desenvolvimento e competitividade da nossa região uma vez que é inegável. A verdade é que se nas circulares às cidades de Bragança e Vila Real sempre estiveram previstas portagens, o mesmo não acontecia a todo o restante troço. Isto até o Governo ter anunciado o contrário, claro.

Importa, desde logo, referir que se as circulares a Bragança e Vila Real têm alternativa (o antigo IP4) o mesmo não acontece à restante via, pelo que não se trata de uma alargamento de portagens na mesma circunstância. Posto isto, importa ver as alternativas que há à via que seria então portajada e é aqui que começam os problemas. As alternativas, além de colocarem em causa a segurança de quem nelas circula, obrigaria quem se desloca a Trás-os-Montes a retroceder a meados do século passado. Ou seja, são inexistentes alternativas dignas desse nome o que, como sabemos, é essencial à introdução de portagens.
Mais. Importa recordar que a A4 não conseguiu – como era adivinhável desde o estudo do seu projecto – resolver questões de segurança pelas quais o IP4 era infelizmente sobejamente conhecido. Portanto, será a A4 uma verdadeira auto-estrada digna de portagens face às condições de segurança que uma via deste género tem de garantir?

Importa ainda destacar as contradições – diga-se mesmo incoerências assombrosas – da política deste Governo (e em bom rigor de outros que o antecederam). Por um lado, retiram (ou usando do eufemismo governamental “deslocalizam”) serviços educativos, de saúde e de justiça em nome das acessibilidades que hoje são mais fáceis do que o eram anteriormente, mas por outro lado obrigam quem não quer ou não pode pagar portagens a regressar aos anos 60 do século passado. Se já não é verdade a música dos Xutos e Pontapés quando diz que “De Bragança a Lisboa são 9 horas de distância”, corremos o risco que possa haver uma nova música que afirma que “De Vila Real a Bragança são três horas e meia de distância” e isto não é apenas uma injustiça. É inadmissível.
Por último, não posso deixar de sublinhar o valor da palavra de tantos responsáveis governamentais que sempre afirmaram que quando chegasse a “auto-estrada da justiça” ela não seria portajada no lanço entre Vila Real e Quintanilha. E depois vemos os mesmos responsáveis questionar-se sobre os motivos da descrença dos cidadãos na política… Aliás, tenho bastante curiosidade em ver as medidas efectivas (não os discursos na comunicação social) que os políticos influentes da região farão nos seus próprios partidos para que as portagens não sejam introduzidas, tantos os dos partidos da oposição como os do Governo…E não me venham falar que, em simultâneo com a confirmação das portagens foram prometidas “novas políticas de discriminação positiva” para a região, pois já vimos o valor destes compromissos…

É por isso que é a altura de todos lançarmos mãos à obra contra a concretização destas portagens, pois de boas intenções… está o inferno cheio!


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