Ana Soares
Democracia com botão ligar e desligar?
Ontem acordei com a surpreendente notícia do “Leave” ter ganho o referendo em Inglaterra. Brexit, a palavra que entrou no vocabulário de todos nós há alguns meses, ganhou assim nova relevância; a relevância de poder vir a mudar a História. De Inglaterra, da Europa e de todos nós.
Não sou Euro-entusiasta mas também não sou Euro-céptica. Acredito numa Europa forte, unida, mas que não se pretenda fazer substituir às entidades e soberanias nacionais, assumindo-se e bastando-se em ser um mercado comum, um espaço de cooperação e união reforçada, mas não uma federação ou, vamos lá perceber estes eufemismos politicamente correctos, uma potenciada União Política Europeia, com Ministros e organismos coordenadores conjuntos, com união bancária e tudo o mais.
Gostemos ou não, os ingleses pronunciaram-se a favor da saída da União Europeia e uma Europa que foge da democracia é uma Europa morta, que tenta a todo o custo aumentar e fomentar a união política de costas voltadas para os seus cidadãos. E não me falem do Parlamento Europeu como baluarte da legitimidade do projecto europeu porque é importante, sem dúvida, mas é pouco, muito pouco…
Das reacções que desde ontem se fazem sentir por todo o mundo assustam-me particularmente as que se posicionam radicalmente contra réplicas do referendo Inglês noutros países da Europa. Mas o problema é os Cidadãos Europeus terem opinião sobre a matéria? É a incerteza do resultado? É o facilitismo da elite política decidir sobre matérias sobre as quais o seu mandato é questionável? A Europa ter medo de ouvir os Europeus não é apenas estranho, sombrio e mau sinal. É simplesmente o reconhecimento de que o actual projecto Europeu não é da Europa. É de uma minoria com poder de decisão.
Preocupa-me que a Europa não aproveite o presente momento para se repensar, refundar-se e, porque não afirmá-lo claramente, reposicionar-se. Os belos discursos de “mais Europa” não vão ao encontro do que a população deseja, mas sim uma “melhor” Europa que se centre em meia dúzia de áreas de intervenção – fundamentalmente de mercado – e que não insista na união política. O nosso caminho não é por aí. Receio muito que os responsáveis políticos da União Europeia queiram é chutar para a frente e que o plano seja empurrar com a barriga e precipitar os planos actuais de aprofundamento da união política. Ou seja, que face ao Brexit se tente mostrar uma Europa coesa e decidida a ser “mais” Europa, que efectivamente não existe.
Preocupa-me também a falta que a Inglaterra fará a países como Portugal, pois muitas vezes fazia intervenções e tomava posições de maior contestação a uma imposição política centralista que Portugal não faz e que, mesmo que fizesse, nunca seria com o mesmo peso político.
Veremos nos próximos meses as consequências do Brexit, que serão várias e a diversos níveis, não só a nível Europeu como até na própria estabilidade do Reino Unido (e dos próprios Reinos Unidos). É sem dúvida um assunto interessante e para ser seguido com a máxima atenção.
E com tudo isto não quero dizer que votasse pela saída caso houvesse um referendo em Portugal. Deixo esta questão para outras núpcias. Mas se há algo de que me orgulho é de viver em democracia e essa não pode existir apenas e sobre o que dá jeito. Porque para a democracia ser real não pode haver receio de ouvir o povo. Não basta liberdade para dizermos o que pensamos, há que o poder fazer com consequências políticas. Porque seja quanto a este projecto europeu ou a outro, seja quanto a que União Europeia queremos ou se queremos a própria União Europeia há que dar voz aos Cidadãos. Porque se a participação na construção europeia for plena, talvez a vontade de sair não exista. Mas a favor ou contra é a opinião e a vontade do povo. É a democracia.