Democracia: é favor não mexer?
Há 40 anos, nas eleições presidenciais de 1976, o General Ramalho Eanes foi eleito com 61,59% dos votos válidos, isto é, descontados do universo de eleitores inscritos os abstencionistas, os brancos e os nulos. Do total do eleitorado, Eanes recolheu a preferência de 45,88% dos portugueses que tinham direito a votar. Ou seja, grosso modo, 1 em cada 2 eleitores votou em Ramalho Eanes.
40 anos depois, em 2016, Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito com 52% dos votos validamente expressos. Contudo, os seus eleitores já só representam 24,76% dos portugueses com direito a votar. Ou seja, já só cerca de 1 em cada 4 eleitores votou no presidente eleito.
E com Soares, Sampaio e Cavaco, mais coisa menos coisa, a tendência confirmou-se, de 1 em cada 2 passou para 1 em cada 3 e já está em 1 para 4.
É a outra face da moeda da abstenção. É, em boa verdade, outra maneira de a ler.
E nas eleições para a Assembleia da República? Terá sido diferente?
Vejamos, com base em dados de 1980 a 2015: em 1980 o vencedor, a AD, obteve 47% dos votos válidos, representativos de perto de 40% do universo de inscritos. Quando Sócrates venceu em 2005 com 45% este número já só representava 29% do total de eleitores. Quando, 10 anos depois, a PàF vence as eleições com 38%, a sua base de apoio representa 21% do eleitorado e, quando Costa logra alcançar o lugar de primeiro-ministro, fá-lo com o apoio de 51% (soma de PS, BE e CDU) dos votos expressos e 53% dos deputados eleitos, representativos, porém, de 28% do total do eleitorado!
Mais impressionante ainda, é a circunstância de o governo ser, hoje, constituído apenas por uma força política que, tendo alcançado 32% dos votos, representa apenas 18% do total de eleitores. Ou seja, menos de 1 em cada 5 eleitores votou no PS de António Costa!
Isto para dizer o quê?
Que, mesmo sabendo que muitas das democracias mais desenvolvidas também têm estes elevadíssimos níveis de abstenção eleitoral, 42 anos depois do 25 de Abril, não se afigura legítimo ignorar que quem governa e preside ao país possa ou deva sentir-se confortável por ter sido eleito, apenas, com o voto de 1 em cada 5 (ou 4, vá) dos portugueses.
Mais de metade do eleitorado, pura e simplesmente, não participa na democracia.
As populares perguntas do costume impõem-se: foi para isto que se fez o 25 de Abril? É para isto que queremos a democracia? Quietinha? A parecer uma caixa de fruta, cheia de bicho, mas com a tabuleta: “É favor não mexer”?
Assim, acabará por apodrecer…