Ana Soares
Democracia é sempre democracia
Hoje Donald Trump venceu as eleições presidenciais nos Estados Unidos da América. A notícia, recebida com menor ou maior surpresa consoante se estivesse mais atento às reacções do povo americano ou à comunicação social, tem gerado uma onda de comentários nos mais diversos meios, não estivéssemos a falar dos EUA e de Donald Trump.
Cada um de nós pode ter a opinião que quiser e é livre de expressá-la, não estivéssemos nós num Estado de Direito. Mas confesso que me indignam adjectivos como “burrice”, “povo estúpido”, “miséria”, “esterco”, “ignorantes”. Mas há alguém que seja dono da democracia? A origem da democracia não é exactamente o poder do povo? Ou quem adjectiva assim o resultado eleitoral americano tem algum tipo de superioridade moral? Importa recordar a dimensão da vitória, expressa por voto livre.
É certo que a eleição americana tem consequências para a vida em todo o mundo, mas quem escolhe são os eleitores americanos, num país que cultural e socialmente é muito diferente do nosso. Não há dúvida que a eleição de Trump coloca muitas dúvidas a nível da política internacional, numa época em que o mundo parece uma bomba relógio, mas o poder do voto decidiu e cabe-nos aceitar a decisão, ainda que fiquemos reticentes. Em particular, preocupa-me o que acontecerá na invasão da Ucrânia, já que em relação ao médio Oriente a posição dos candidatos tinha ligeiras diferenças, mas não significativas.
Os EUA estão submergidos numa crise económica com uma inflação estonteante e os democratas não conseguiram perceber que este era realmente o tema central das preocupações dos americanos e que, portanto, deveria estar no foco da campanha. Confesso que tinha altas expectativas relativamente a Kamala, mas penso que perdeu muito capital eleitoral após a sua nomeação, altura em que parecia clara vencedora. A título de exemplo, a forma radical como falou do aborto (excluindo do discurso o Pai e a própria criança nascitura) afastou claramente o eleitorado moderado, que nem sequer tem o aborto como uma questão prioritária. À hora a que escrevo, Kamala Harris ainda não discursou após se conhecerem os resultados, o que espero que não venha a ser um mau sinal…
A vitória de Trump foi esmagadora, como também parece avassalador para a Europa aceitá-la, mas não terá outra alternativa. Parece-me que discursos inflamados e insultuosos para com o povo americano e o futuro Presidente são tudo menos democráticos e, para mim, a democracia é um bem absoluto, não para ser esquecido quando dá jeito. Será este resultado (mais um) sinal de como é preciso renovar a política e os políticos? Talvez, mas não destruamos os pilares democráticos porque, por mais que pensem o contrário, ninguém é dono da razão e este é um discurso tão intolerável e intolerante como muitas das posições que criticam a Donald Trump (e que eu também acho censuráveis).