Luis Ferreira

Luis Ferreira

Democracia em parte incerta

Quando do outro lado do Atlântico, doidos à solta, começam aos tiros e matam dezenas de inocentes, é razão mais do que suficiente para nos questionarmos sobre como se deve conduzir esta sociedade do século XXI e para onde quer ir.

De facto, parece não bastar termos que morrer naturalmente como ainda termos de enfrentar a morte sem encomenda, desnorteada e dirigida para simples alvos em movimento que servem os desígnios de loucos atiradores, como se vivessem no mais fantástico filme de uma qualquer série negra americana. Para justificar o que é democrático à moda de Hamurábi, “olho por olho, dente por dente”, Trump anuncia a possibilidade de pena de morte para quem pratique atos deste calibre. Dá-nos a impressão de ser tão vilão o criminoso como o juiz, já que ambos tiram a vida a seres humanos. Não sei se o contexto de democracia se aplica nestes caso, mas a verdade é que nos apetece dizer que quem mata deveria morrer da mesma forma, já que matar por prazer, parece ser um jogo de desfecho desconhecido e porque, na maior parte dos casos, o assassino é liquidado pela polícia. Perante isto e sabendo o assassino que o mais certo é ser morto, questionamo-nos sobre que prazer será esse já que não ficará vivo para se vangloriar seja do que for. Na verdade, estas americanices não têm comparação, nem justificação, nem suporte democrático seja onde for.

O facto, contudo, que subjaz a estes episódios, é o de ser ou não democrático castigar com a mesma pena, quem comete determinados atos atentatórios à vida humana. A vida humana é um direito inalienável que ninguém pode tirar, seja sob que justificação for. Os direitos humanos são para respeitar, é verdade, mas revoltados com estas atitudes, o que nos apetece fazer é castigar do mesmo modo quem pratica estes abomináveis crimes. Verdade?

Por cá como por lá, quando somos confrontados com os fogos que grassam um pouco por todo o lado e destroem propriedades, casas e haveres de toda a espécie e também vidas humanas, o que dizemos frequentemente é que quem ateia estes fogos deveria ser metido no meio deles para saber quanto custa morrer entre as chamas. Não vale a pena dizer que o não pensamos ou dizemos, por que seria mentira. A revolta é tão grande que não se compadece com atenuantes. Não buscamos a democracia para a impormos como panaceia a quem é criminoso desta estirpe.

Olhando para o horizonte político e democrático que entre nós vigora, constatamos que os criminosos que atearam fogos e que foram apanhados, mas não julgados, continuam à espera de benesses da justiça, do mesmo modo que aqueles que deveriam ajudar quem tudo perdeu, não o fez cometendo um crime tremendo e a quem nada acontece. Olhemos para Pedrógão. Olhemos para Mação. Olhemos para o nosso horizonte democrático e julguemos. Peguemos na democracia e com ela, como se fosse a vara da justiça, chicotemos quem merece. O que acontece? Nada. Os criminosos andam à solta. Impunes. E os fogos continuam.

Estou a lembrar-me de um episódio caricato que aconteceu no final do jogo da supertaça Cândido de Oliveira em que um diretor de departamento do Sporting foi espancado por cerca de quinze indivíduos benfiquistas, sem que nada parecesse justifica-lo. Não está em causa o clube, seja ele qual for, mas sim o atentado criminoso que teve lugar. Como se justifica tal atitude? Possivelmente ninguém reconhecerá os indivíduos que praticaram o atentado e eles ficarão impunes para se poderem vangloriar do vil e selvático crime. Neste caso, para castigar do mesmo modo os indivíduos em causa, seria muito mais difícil, já que seriam necessários trinta outros juízes que, de igual modo, exerceriam justiça hamurábica. E seria democrático? Mas apetecia fazer o mesmo? Possivelmente.

Claro que a revolta que nos invade em situações como as mencionadas, nos leva a repensar muitas atitudes e até a querer alterar a própria justiça e o modo como se aplica. Mas será que se o fizéssemos, o resultado seria outro? Na melhor das hipóteses, o medo que invadiria os que pensariam em fazer tais atentados, coibiria o seu modo de ação, resultando em menos atos extremistas, mas só isso. Nada impede um criminoso de praticar o seu crime. Ele não pensa na justiça, mas sim no resultado imediato da sua performance. E muito menos pensará na democracia que é um conceito que para ele não existe.

Neste tempo de férias, a nossa política democrática anda a banhos, porque também tem esse direito, intervalando com o futebol como já vimos. Também vimos que nem com a presença das altas individualidades da Nação, os criminosos deixaram de praticar atos horrendos. Ora a ser assim, o que fazer com a justiça, com a política e com a democracia? Nada disto mete medo aos assassinos porque eles não são nem cobardes nem democráticos. Infelizmente.

Deste modo não parece que a democracia seja a solução que justifique o castigo, mas se o fosse, também ela parece andar em parte incerta!


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