Henrique Ferreira
Do Brexit à Wareuro (da saída britânica da UE à guerra na Europa)
O dia 23 de Junho de 2016 pode ter sido ou um dia fatídico ou um dia indiferente ou ainda um dia feliz, para o mundo e para a Europa. Neste dia, aconteceu um referendo no Reino Unido, uma federação de quatro estados autónomos (Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales ou, dito em Inglês, England, Northern Ireland, Wales e Scotland.
Portanto, não sei que tipo de dia será porque o dia que foi não deu para prever o futuro. Os cientistas sociais (economistas, euroburocratas, europolíticos e muitos outros) não se entendem quanto ao que será. Fazendo a síntese da análise de conteúdo de alguns dos mais de 200.000 artigos publicados em todo o mundo sobre o assunto, é legítimo defender qualquer uma das três posições.
Economicamente falando, os principais indicadores caíram e recuperaram. Mesmo no Reino Unido, UK ou United Kingdom na língua deles, ninguém se entende mas essa é a que é a face que eu não esperava ver. Para mim, o Reino unido, doravante RU, tornou-se num reino desunido que, quase de certeza, e a manter-se a saída da EU, vai ficar amputado da Escócia, a médio prazo.
Não esperava tamanha balbúrdia em RU na sequência do Brexit. Imaginei pelos herdados prudencialismo de Edmund Burk e apelo à informação da opinião pública de John Stuart Mill, que a opinião pública britânica soubesse o que estava a votar. Pelos vistos, as sete milhões de consultas ao sítio electrónico da EU, nos dias seguintes ao referendo, indicam que a maioria dos britânicos não sabiam nem o que estavam a votar nem o que era a EU.
Teresa de Sousa perguntava-se em «Público» se os referendos ainda são úteis em democracia. Só há três povos que podem dar a resposta: suíços, canadenses e australianos. A quente, os britânicos dirão já que é uma das piores coisas que os democratas inventaram. Ainda por cima, numa democracia tão avançada, ainda não corrigiram as condições de validade do referendo para este se tornar vinculativo. Quer dizer, se só tivessem votado 23 milhões de pessoas, equivalentes a 50%+1 dos eleitores e de entre os elementos dessa percentagem 11,500001 milhões tivessem votado pelo Brexit, teríamos 50%+1 de votantes a aprovar o Brexit, os quais representariam apenas 25,4% dos eleitores. Mesmo tendo votado pelo Brexit 17,4 milhões em 34 milhões de votantes e 46 milhões de eleitores, estamos perante uma situação muito problemátia em termos de legitimidade do seguimento segundo a opção do Brexit.
Isso mesmo evidenciou a Primeira-Ministra Escocesa acusando o resultado de falta de legitimidade e mandando pôr a circular uma petição para o Parlamento Britânico considerar ilegítimo e de nenhum efeito prático o resultado do referendo. Vamos ver em que se fica.
Também os jovens acusaram os mais velhos de falta de solidariedade. Só 39% das pessoas com 65 ou mais anos votaram pela permanência na UE. Só 44% das pessoas com entre 50 e 64 anos votaram pela permanência na EU. Todas as outras classes etárias votaram a favor da permanência ou contra o Brexit. Os indivíduos com entre 25 e 49 anos numa percentagem de 59% e os com entre 18 e 24 anos numa percentagem de 75%.
Por tudo o que fica dito, a população do RU está completamente dividida e fracturada. Mesmo os principais partidos estão completamente em convulsão interna.
Em minha opinião ninguém virá a acionar o artigo 50 do Tratado de Lisboa: a petição para sair da EU e entabular negociações para a saída. Não há uma vaga de fundo para sair. Além disso, não são suficientemente conhecidos os efeitos dessa eventual decisão.
Inadmissível neste contexto parece-me ser a atitude dos eurocratas para com os britânicos no Parlamento Europeu: «O que é que ainda estão aqui a fazer?», perguntou Junker aos deputados britânicos. E a vaga de fundo das intervenções dos europeus seguiu na mesma linha assim como a diplomacia francesa. Quer dizer, os britânicos podiam não saber como votar mas os eurocratas de Bruxelas sabiam bem que não queriam os britânicos na Europa. Ou, então, pura e simplesmente, são ignorantes não percebendo que só há um país que ganha com a saída dos britânicos – a Alemanha. Mas como o néctar de Ángela Merkel anestesia a «intelligentsia» europeia, os eurocratas não entendem que as gerações britânicas mais idosas votaram Brexit para se defenderem da Alemanha, do seu expansionismo e da burocracia e autoritarismo de Bruxelas.
Se o caminho cultural que trilhei ao longo dos meus 64 anos e se o saber histórico, social e político que neles adquiri estiverem certos, a Europa verificará em breve a afronta alemã. Muitos já entreviram o seu «timimg» e o seu «modus operandi». Mas também pode acontecer que outro não menor déspota inverta a ordem das coisas e invada, como promete, os países bálticos e a Ucrânia. Nesse caso, haverá novas tragédias que atrasam as primeiras. Ou as aceleram, quem sabe?! São insondáveis os desígnios de Vladimir Putin e do Povo Alemão.
Bragança, 02-07-2016