Manuel Igreja
Douro: Sabedoria e Bom-Senso
Desde que o Douro se tornou terra de vinho a valer, pois de rio e de gente já o era antes, a palavra crise surge a cada esquina, a cada ano, com se fosse o pintor no cachos que com naturalidade se vão desenvolvendo com encanto de quem os cuida com ternura e com desenvoltura. Só que sem o mesmo encanto.
Mais coisa menos coisa, podemos situar-nos há trezentos anos, quando o vinho enquanto produto comercial ganhou peso muito considerável na economia nacional, enquanto se afirmava como produto e modo de vida quase único na nossa região.
Graças ao estreitamento das relações comerciais com a Inglaterra, a dinâmica levou a que os montes se travestissem de vinhedos a poder de muito suor e de muito ai e de muito valha-nos Deus. Ao longo do ano vão mudando de cor no seu traje que é sempre o mesmo. Largo e colorido.
As tensões comerciais com os seus e os interesses próprios e mais o desequilibro entre ambas as partes, o comércio e a lavoura, levaram a que os ganhos fossem desigualmente repartidos e a que riqueza criada na região se esfumasse para outras paragens. Aproveitou-a grandemente o Porto.
Num modo de se dizer, o jeito de ambos se encararem nunca foram pacíficos ainda que diplomáticos à superfície. Nos banquetes comuns se os houvesse, haveria muitos sorrisos com olhares desviados em rostos sorridentes, mas também com pontapés nas canelas por debaixo das mesas.
Alturas houve em que brotaram reações e alguma organização por parte da lavoura condenada porque permitiu, a ser um rebanho sem pastor, sujeito aos mandos e desmandos de quem tinha e tem interesses que não podendo ser divergentes, andaram desde há séculos em caminhos separados.
A região foi demarcada e regulamentada por causa disso e para isso evitar, mercê de quem lhe levou o assunto a despacho, a Casa do Douro foi instaurada para permitir o equilíbrio, mas quer num quer noutro caso, o que mais pesou foi a possibilidade de através disso, o poder central ter os cordelinhos na mão.
Nos entretantos, nunca se conseguiu fazer do Douro algo mais do que uma pobre região rica. Houve fome e miséria. Houve vontade de gritar, sempre houve vontade de trabalhar, mas nunca supriu bem as necessidades. Chegou a haver revoltas e mortes porque se exigiu melhores sortes.
Durante algumas décadas, as coisas acalmaram e melhoraram ao ponto de porque era cómoda a situação se adormeceu. A quem tivesse alguns palmos de terra, o sobreviver era garantido e o viver simpático. O Douro foi um remanso.
No entanto, os tempos mudam. Como sempre desde que o mundo é mundo. Alteram-se as regras e as circunstâncias. O adquirido deixou de ser garantido sem que na região se estivesse ciente de que vinga não quem é mais forte, mas sim quem melhor se adapta.
Neste verão deste ano da graça de dois mil e vinte e quatro, andam toda a gente em mil aflições. A crise efetiva pode ser a pior de todas vindo a dar ser o início do fim dum modelo de atividade económica e mesmo de estrutura fundiária e social.
Granjear pode vir a ser crescentemente insustentável, vender pode vir a ser impraticável, obviamente com algumas exceções pois há sempre quem se saiba adaptar, mais não seja, ficando-se por setores de nicho comercial que acrescentam quase garantidamente o valor pretendido e devido.
No ponto crucial em que a região se encontra, urge, pois que impere o bom-senso e mande a inteligência que leva ao profissionalismo num tempo que não está para amadores. Quem cultiva deve organizar-se e agir em conjunto. Deve concluir como ganhar concentração e escala no que adquire e no que vende.
Por sua vez, as empresas comerciais, necessariamente geridas por critérios adequados, não podem nem devem esquecer a sua responsabilidade social perante uma região que também é sua, nestes dias em que nos deparamos como novos terratenentes que compram quintas por milhões que são meras sobras na carteira, eventualmente por vaidade e como quem compra uma obra de arte garantidamente valiosa e prestimosa.
Queremos a paisagem sem borrões e sem silvados. O mundo merece continuar a dispor dos nossos néctares e nós devemos poder continuar a viver cá, pois queremos e porque vale a pena.