Manuel Igreja
E depois do fogo
Não é que isso importante assim tanto, mas venho ao caso, mas participei recentemente numa acção de voluntariado no apoio à tragédia repetida, mas este ano mais intensa e imensa dos tradicionais incêndios de verão em Portugal.
Num texto anterior e antes dessa minha ida, disse eu que se impunha acima de tudo o silêncio ao verificar-se que muito estava a ser o alarido. Jamais imaginava então o teatro insensível que se seguiria visando o aproveitamento para fins menos nobres. Insanos não percebem o que os rodeia nem a vida que lhe passa ao lodo.
Mas indo em frente para se não remexeram as tripas. A dado passo da minha atividade no terreno, perante uma senhora ainda nem sequer idosas pelas novas medidas do tempo, ao ver que vivia numa casa isolada no meio da montanha rodeada de nada para além dos eucaliptos, perguntei-lhe a razão porque se quedava por ali.
Disse-me que a filha, a “minha Maria João”, quer que eu vá viver com ela em Coimbra, mas já viram, eu viver ali metida num apartamento? Não antes quero estar aqui no meio das minhas coisas. Respondeu-nos pesarosa, mas afirmativa.
Colocou entrapo alguém do grupo a questão do medo sempre nascido no isolamento que se palpa e esmaga caso uma pessoa permita. Disse que sim, que tinha medo de viver ali no breu, mas “uma pessoa habitua-se a viver com ele e não lhe liga. Responda sabedora de quem a vida marcou, mas não venceu ainda apesar das muitas fintas.
Ajudámo-la. Deixamos-lhe alguns mantimentos de manhã. Ao outro dia pelo tórrido da tarde, limpamos o entulho de uma pequena casa que ardeu ficando reduzida a telhas partidas e alumínios retorcidos pela temperatura do fogo que lavrou em passadas de gigante.
Foi uma chuva de fogo que andou pelo céu. Num repente tudo ardeu e ficou negro. Nem o inferno se calhar é assim. Duvidou e aventou, olhando ao redor em que só se vislumbravam encostas chamuscadas e lágrimas vertidas em rostos molhados pelas lágrimas vertidas. Terão sido por horas a única humidade naquele deserto.
Restou-lhe quase nada para além da noção da solidariedade que estava a receber e de mais a outra que lhe prometem vir a ter. Naqueles instantes de ajuda e de conversa que também é auxílio, sentimos uma mulher renascida das cinzas. Uma mulher que torceu, mas não quebrou. Alguém a quem o ânimo despontou. Viu-se-lhe no reluzir dos olhos humedecidos agora pelas lágrimas de agradecimento.
Urge então evitar e exigir que aqueles cidadãos sujeitos a tudo e merecedores de justiça, não recebam somente palavreado levado pelo vento embrulhado em promessas vãs perdidas entre os corredores da burocracia nos montes feitos de interesses insondáveis e condenáveis.
O modo como estas coisas começam se desenvolvem e acabam, é a melhor tradução daquilo que é ou não um país desenvolvido. Esperemos que Portugal o seja respeitando cada qual em seu lugar e no seu modo de vida.