Henrique Ferreira

Henrique Ferreira

E não será possível livrar-nos a todos do IVA?

Os partidos políticos PSD, PS, PCP, BE e Verdes resolveram decidir em causa própria e autodispensaram-de pagar IVA em todas as áreas de compras. Foi um presente de Natal, dado a si próprios.

Mandam as boas regras da administração, baseadas no sacrossanto princípio burocrático de separação entre o autor do acto e o beneficiário ou objecto do mesmo que ninguém pode despachar ou decidir sobre si próprio. Em bom rigor, se este acto não estiver ferido de inconstitucionalidade está ferido de ilegalidade nos termos do nosso Código de Procedimento Administrativo (CPA). Porém, o CPA não se aplica à Assembleia da República, cujos representantes do povo entenderam que eles não são administração pública e que, portanto, estrão para lá das regras daquela.

Os princípios da imparcialidade e da não intervenção em interesse próprio (incompatibilidade) atravessaram todas as administrações públicas democráticas, desde Otto Bismarck (1870-1884) até aos nossos dias. Constituíram dois dos vários princípios éticos da política e das administrações. Em Portugal, têm sido infringidos muitas vezes, mesmo pela Assembleia da República.

Este é para mim o principal problema da Lei de Financiamento dos Partidos e das campanhas Eleitorais que o Presidente da República (PR) vetou no final de 2017. Com que direito os partidos se arrogam o direito de se autodispensarem do IVA, quando, até agora, estavam apenas equiparados a colectividades de interesse público, dispensadas do IVA apenas em despesas de investimento? Quererão os deputados que aquelas instituições reivindiquem iqual direito? No limite, nós, pessoas singulares, titulares de direitos e de deveres, não poderemos reivindicar também a extensão a nós próprios das regalias de umas e de outros?

Atribuir a um partido  mais direitos e deveres do que a um simples cidadão é um acto de puro autoritarismo, de pura usurpação e abuso de poder de função. Cada um, no seu contexto, na sua actividade e nas suas funções têm direitos e deveres equivalentes. Não mpode por isso a Administração atribuir-se privilégios e sonegá-los a outros. A partir do momento em que entramos no domínio do privilégio, temos uma excepção, um desvio, que vai inquinar a justiça e a equidade.

Disse que este era o principal problema da referida Lei mas há mais um: a alteração à Lei foi solicitada pelo Presidente do Tribunal Constitucional, o qual solicitou a separação entre julgamento dos actos administrativos dos partidos e a aplicação de multas e penas pelos mesmos, ficando estas a cargo de uma entidade executiva, neste domínio, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos. Neste domínio, os depuatdos cumpriram o solicitado mas já não cumpriram quando o Presidente do TC solicitou a alteração da composição da Entidade, dotando-a de mais meios humanos. Aqui, os deputados não aquiesceram parecendo-me legítimo o raciocínio de que quiseram manter as dificuldades no controlo das contas por parte da Entidade para assim poderem melhor aproveitar os subterrâneos da má burocracia.

Finalmente, acho absolutamente irrelevante o montante global dos donativos. Os deputados retiraram-lhe qualquer limite mantendo apenas a restição do máximo de 25000 euros a nível individual e a proibição de pessoas colectivas fazerem donativos. Antes, havia a restrição de um máximo de 630.000 euros que cada partido poderia obter em donativos. Não vejo mal nenhum em que não haja limite global.

Os partidos são representações e extensões da Sociedade civil. Por isso, só deviam ser financiados por esta, não devendo haver subvenções do EStado que só serem para manter no poder por tempo indeterminado os maiores partidos, constituindo-se como limitadores da expressão da sociedade civil por garantirem uma burocracia política que controla as leis e rgulamentos do regime.

Marcelo vetou a Lei, não pelas razões aqui apontadas mas pelo secretismo do seu processo de aprovação que tornou mais evidente o abuso e discricionaridade do uso do poder face à atribuição de privilégios dos partidos a si próprios.

Veremos se os deputados entenderam. É provável que não porque cada um só entende o que quer e o que lhe convém.

 


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