Luis Ferreira

Luis Ferreira

E se acorda rebentar?

O esgrimir da palavra e do conceito de arrogância marcou o início da apresentação do Programa do XXIV Governo, fazendo adivinhar o que viria a seguir. Para Nuno Santos, Montenegro apresentou o programa com arrogância e deveria ter sido humilde uma vez que necessita de acordos para viabilizar o programa de governo da AD. Foi um mau começo.

A verdade é que a AD não tem uma maioria que lhe permita governar sem acordos, seja com o PS ou com o CHEGA, mas a verdade é que p0ntualmente, o governo tem de negociar e chegar a entendimentos em várias vertentes que se integram nos programas do governo e das oposições.

O que assistimos neste primeiro embate, foi um esticar de corda que tinha em cada ponta os principais opositores e no meio alguém que esperava que a corda rebentasse para poder ajudar o perdedor e apanhar os despojos. Enquanto isso, outros deitavam lenha numa fogueira enorme que pode ajudar a queimar a corda já de si bastante ténue. CHEGA.

Moções de rejeição e pedido de moção de confiança, foi um entretenimento de jovens descuidados em vez de adultos responsáveis. Um autêntico jogo de interesses infantis num qualquer recreio de escola. Mas a realidade é bem diferente destes jogos ridículos de aprendizes de políticos. O que pretenderiam o BE e o PC ao apresentar moções de rejeição quando os dois partidos juntos têm só 9 deputados? E se Nuno Santos já tinha dito que votaria contra qualquer moção de rejeição ao programa de governo, porque razão fez questão de pedir ao governo que apresentasse uma moção de confiança? Não faz sentido. Enfim.

O que se pode extrair de toda esta barafunda, é que se Montenegro quis esticar a corda com um pouco de “arrogância” como disse Nuno Santos, a verdade é que este também não se deixou intimidar. Como sabemos o CHEGA estava na espectativa, esperando algum sinal que Montenegro pudesse dar, para se empoleirar mais um pouco e mostrar a sua veia ganhadora dando à AD a certeza que com ele a esquerda seria derrotada definitivamente e o socialismo arredado de vez. Mas não foi isso que recebeu e por isso a sua irritação foi enorme, mostrando bem a posição da extrema direita, quase fascismo, que defende.

Seja como for, a verdade é que Montenegro terá de negociar com o CHEGA e com o PS se quer governar mais tempo do que meio ano que lhe é concedido gratuitamente. O Orçamento para 2025 vai ter de ser apresentado e aprovado e isso é impossível sem acordos e cedências de ambas as partes. Resta saber quem vai ceder sem receber nada em troca. Não acredito que seja possível sem moeda de troca. Neste confronto, o que vai interessar é saber quem vai efetivamente aproximar-se da AD, pois nem Nuno Santo e o PS estarão interessados em novas eleições, assim como o CHEGA, embora este esteja convencido que tem tudo a ganhar e nada a perder. O que se tem verificado ultimamente é que o partido que derruba o governo perde as eleições a seguir, mas isto acontecia no bipartidarismo, o que agora não se verifica e aqui pode estar o grande problema. Quem vai arriscar? Quem vai aceitar as negociações para o Orçamento sem grandes trocas? Bem, ninguém quer perder, mas o PS terá mais a ganhar do que Ventura a quem, qualquer ganho é uma vitória e uma bandeira para acenar à esquerda. Mas não se pode subestimar este partido. Montenegro terá de contar com ele se quer governar, pois há temas demasiado sensíveis que o PS não negoceia e o CHEGA certamente estará disponível para se sentar à mesa das negociações.

No segundo dia tudo foi diferente e mais pacífico. A corda não esticou muito. A AD não cedeu pontos e o PS reiterou a sua posição. A Europa é mais pacífica, mas mesmo assim Ventura exaltou-se, como é habitual, ameaçando mesmo a governação futura da AD. As ameaças já vinham do dia anterior ao não ser contemplado, como queria, no Programa de Governo. Pelo menos viu alguns pontos programáticos do CHEGA contemplados no Programa de governo. Mas queria mais. Muito mais. E ao falar do espaço europeu e das migrações, fez estalar o verniz que ainda existia na sua pele e raiou ideias fascistas que não agradaram aos outros partidos. Ouviu críticas, claro. A corda esticou bastante mais para o lado do CHEGA e quase rebentou. A contenção de todos na hora certa, contribuiu para que a discussão do programa de governo terminasse sem partir a corda. Mas nada está garantido.

A arrogância a que assistimos nesta apresentação do Programa do Governo, foi demonstrativa do que vai ser o ato de governar daqui para a frente. Tarefa bem complicada para Montenegro. O diálogo a que tem fugido, não pode prolongar-se muito mais tempo. A falar é que a gente se entende, como diz o povo. E é assim que deve ser. A inclusão de medidas de todos os partidos no Programa de Governo, foi uma boa medida, embora não agradasse a todos, mas pelo menos serviu para contentar minimamente os ansiosos. Nem tudo se perdeu.

Por enquanto a corda não se partiu, mas quanto tempo mais vai aguentar esta pressão? Cabe à AD não esticar muito a corda se não quer ter o trabalho de a emendar mais tarde.



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