Henrique Ferreira

Henrique Ferreira

Elogio do optimismo na construção da democracia (25 de Abril de 2017)

Senhores Presidente, Secretária e Secretário da Assembleia

Senhores Presidente, Vereadora e Vereadores da Câmara Municipal

Senhores ex-Presidentes da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal

Senhores Comandantes da Polícia de Segurança Pública, da GNR

Senhores omandantes dos Bombeiros Voluntários de Bragança e de Izeda

Senhores dirigentes da Administração Directa do Estado (finanças, agrupamentos de escolas, serviços de estrangeiros e fronteiras)

Senhores Directores e Administradores das instituições da Administração Indirecta do Estado (IPB, Segurança Social, Infraestruturas de Portugal)

Senhores Deputados e deputadas municipais

Senhores Presidentes e Presidentas de Junta

Senhores representantes das comunidades religiosas.

Senhores jornalistas

Minhas senhoras e meus senhores

Senhores directores de departamento e de serviços da Câmara Municipal (administração autónoma do Estado)

Senhoras e senhores funcionários e funcionárias da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal

 

Comemoramos hoje a revolta dos cravos em que um grupo de militares bem intencionados mas mal preparados para a vida política e para a governação nos introduziu na liberdade de expressão e de organização de projetos políticos.

Comemoramos a geração de um projeto fundador que se foi tornando sonho e realidade à medida que os cidadãos perderam o medo de participar e foram fazendo o trabalho de projeto ou o projeto do projeto.

Abril foi tudo: sonho, ilusão, tirania, cidadania, participação, democracia. Aqueles anos 1974-1982 foram a excelência da participação ou a demonstração de como a apresentação de ideias por muitos pode dar origem a um bom projeto. A própria forma como se conseguiu ultrapassar o período 1974-1975 demonstra a grandeza dos portugueses que, a um tempo, souberam ser oposição ao totalitarismo em construção e, a outro tempo, souberam construir o projeto democrático perdoando o passado, remoto e próximo. Que saudades de homens como Melo Antunes, Salgueiro Maia, Jaime Neves, Adérito Sedas Nunes, Francisco Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa, Magalhães Mota, Medeiros Ferreira, António Sousa Franco, Carlos da Mota Pinto, Maria de Lourdes Pintasilgo, Salgado Zenha, Mário Soares, para só referir os já falecidos, e muitos outros. Todos juntos fizeram, até 1982, um trabalho exemplar, a fundação dos alicerces da democracia liberal, do Estado Social e da Social-Democracia e, até, da integração do partido comunista na democracia.

Foram, também eles, homens imperfeitos porque a humanidade, escreveu Bossuet, não existe, tal como a natureza humana. Escreveu ele que nunca tinha visto nem a humanidade nem a natureza humana mas apenas homens e mulheres concretos. E que também nunca tinha visto os sonhos sonhados transformarem-se em sonhos realizados, apenas em aproximação ou realizados em parte. Rousseau, mais tarde, face à imperfeição da democracia que ele tinha idealizado, escreveu no Contrato Social que, se houvesse um povo de deuses, poderia governar-se democraticamente mas que, como tal povo não existe, é melhor controlar bem os governantes porque têm tendência para os excessos de poder e de gula. E Voltaire, no Espírito das Leis, escreveu para os constitucionalistas franceses de 1789 que se querem um governo equilibrado, dividissem o poder, a fim de que o poder de uns controlasse o poder de outros. E, entre nós, não é justamente o excessivo poder dos governos e da administração que prejudica a democracia?

O projeto de Abril, é, por isso, um projeto inacabado e culturalmente em construção. Houve avanços, recuos, contradições, coisas absurdas, à esquerda, ao centro e à direita. Houve mudanças de projeto, umas por razões internas ao país, outros por razões internacionais. Mas, no essencial, a democracia liberal, liberal porque se baseia na liberdade de expressão, de organização política e de iniciativa, liberal ainda porque se baseia na justiça social, na tolerância e na expectativa de que o tresmalhado se reintegre, venceu. Perderá, porém, se deixar que a intolerância se transforme em regra.

A educação para a democracia continua a ter um papel essencial porque os valores dela não foram ainda interiorizados por todos, comportando-se muitos como o Príncipe (Governo) de Rousseau, isto é, com abuso de poder e de gula. Para estes, repetem-se as palavras de Rousseau: é preciso controlá-los e aperfeiçoar o aparelho repressivo da democracia.

Assim, neste Abril, há que voltar a Voltaire e ao seu Cândido e ser otimista. Não há sistemas nem homens perfeitos. Há sistemas e homens reais que, apesar de tudo, nos deram os instrumentos para aperfeiçoarmos a democracia - o nosso jardim, jardim com que Cândido dizia a Voltaire que devíamos conciliar a reflexão com a ação – cuidar do jardim.

Vamos então cuidar e melhorar o jardim que nos entregaram, o projeto que os homens de Abril e muitos abris permitiram.

Assembleia Municipal de Bragança, 25 de Abril de 1974

Henrique da Costa Ferreira, em representação do Movimento Sempre Presente


Partilhar:

+ Crónicas