Chrys Chrystello

Chrys Chrystello

Em memória do natal que não mais volta

Crónica 227 em memória do natal que não mais volta 20.12.2018

Desde tempos imemoriais que natal não é sinónimo de momentos agradáveis na memória deste autor. Lembro-me bem do natal antigo… das prendas que eram trazidas pelo menino Jesus e ora vêm de rena com o pai natal. Isto passou-se até aos sete anos, data em que descobri as ditas escondidas, por cima do guarda-fatos dos pais, e aí perdi a virgindade do natal. Por mais que me tente recordar poucos terão sido os brinquedos que tive no “sapatinho” ou na “meia” da árvore de natal. Hoje com a sofreguidão típica desta geração de “baby-boomers” dá-se tudo aos filhos e eles vão pedindo mais e melhor, insatisfeitos com o muito que têm nesta sociedade consumista que a todos assola e assolapa de dívidas. Ninguém se contenta com umas camisolas, camisas, meias ou algo assim, querem todos o último modelo de smartphone ou PlayStation.

Lá fora brilham as luzes, mas eu gostava era que fosse natal sempre e não apenas quando os calendários mandam. Este ano será um natal com a família reduzida e amigos, nem no país, nem na região que se sonhava em Sydney (Austrália) há umas décadas, mas hossanas e bênçãos deveriam ser dados por poder desfrutar dele. 

Uma recordação indelevelmente associada à infância passada, é a dos saltimbancos que apareciam, na época do natal, para fazerem as suas acrobacias na rua em troco duns tostões. Eram em geral famélicos e escanzelados e divertiam-nos com as suas habilidades. Iam desde os palhaços a um outro a vomitar fogo, a outros marchando em cima dumas “andas” e outros números que a memória deixou escapar. Nunca excediam uma meia dúzia de artistas que assim ganhavam a vida e o que me espantava é que houvesse já mulheres naquele meio, numa era em que elas estavam quase totalmente apagadas da sociedade caseira que lhes era imposta.

Claro que vos podia falar do natal, da paz e daquelas coisas que as pessoas falam nesta época, porque no resto do ano andam muito deprimidos ou muito atarefados a tentar sobreviver para se lembrarem delas. Afinal o natal de que eu me lembro não é de Santa Klaus, mas do Menino Jesus e das prendinhas no sapatinho. Agora é demasiado consumista.

Li num jornal que em cada intervalo nos canais infantis há dez minutos de publicidade a condicionarem ou lavarem o cérebro aos jovens e levá-los a desejar mais esta e aquela prenda, obviamente eletrónica e moderna = cara. Para quê todo este desperdício de dinheiro em coisas maioritariamente inúteis, quando seria bem mais salutar promover valores imateriais.

Estou a ficar cota, aquilo que na minha juventude se chamava de bota-de-elástico, mas ainda creio nos valores da família e estes não se devem revelar apenas uma vez por ano na consoada. Devem ser alimentados e nutridos ao longo do ano, sem prendas nem comida especial apenas pela mera fruição da companhia, com a televisão (esse invasor alienígena) desligada. Então, no fim das refeições as pessoas ainda tinham tempo para falar, para sonhar, para trocar impressões e fazer correções ao seu percurso de vida. Devo estar a ficar senil e saudosista, mas é disso que eu tenho saudades. As pessoas hoje andam demasiado ocupadas e não falam, quando o fazem é para comentar uma telenovela da TV, um escândalo público, ou qualquer outra trivialidade. Ou então deprimidas com a sua situação pessoal, profissional ou a do próprio país.

Nem sequer têm tempo para pararem, e pensarem, onde estão, donde vieram e NÃO PARA ONDE VÃO, mas PARA ONDE QUEREM IR. Claro que há as mensalidades por pagar, os estudos dos filhos, e outras preocupações que quando o cansaço se instala e já deitadas mal lhes sobram energia para conversarem. É isto o ideal de vida que nos reservam os tempos atuais e – cada vez mais será pior daqui por diante – e não gosto dele, nem foi para isto que lutei na juventude em inúmeras discussões filosóficas em tertúlias de amigos que se prolongavam pela noite dentro.

Ainda mantenho sonhos e quero realizá-los partilhados, sem ser com uma série televisiva que nos anestesia e deixa num torpor onde não resta lugar para a inteligência ou para o pensamento crítico. Hoje devo dar graças por ainda estar aqui e ter sido um privilegiado por ter vivido nos quatro cantos do mundo, ter aprendido o que aprendi com familiares, amigos e desconhecidos, de línguas e culturas diferentes desde a minha juventude recatada aos meus anos “hippies” a uma falta de maturidade notória na idade do meio e uma certa tranquilidade nesta opção de assentar aos 45 e concentrar-me apenas em coisas que são de valor para os outros e me dão prazer imaterial.

Sinto-me feliz e orgulhoso dos “meus” Colóquios Anuais da Lusofonia, a que o ano todo, que são a minha forma de dar de volta algo a essa comunidade abstrata em que estou integrado e que nada me deu de palpável. Essa intangibilidade da minha dádiva permite-me por outro lado uma satisfação pessoal que não tem eco em mordomias ou benfeitorias materiais. Esta era afinal a minha mensagem de natal, para que todos, novos ou menos novos, disponham dumas horas do seu tempo neste percurso terreno para dar de volta à sociedade algo que tenham aprendido e se possa transmitir aos outros, sem ser por dinheiro, fama ou qualquer outro atributo egoísta ou materialista.

Espero haver quem me ouça neste natal e faça suas as minhas palavras pois este era o presente que eu queria no meu sapatinho, mas esqueci-me de escrever a tempo ao Menino Jesus, pois nos CTT só sabiam o endereço do Pai Natal e esse eu não queria. Eu sigo esta longa caminhada dando graças pela felicidade de estar vivo, lúcido e atuante, após muitas vidas que já vivi, dedicando-me a compartilhar saberes e culturas múltiplas sem epifanias, tentando manter viva essa aberração dos nossos dias que é a família nuclear e deixando um legado que nenhum fariseu aceitaria, em epístolas como esta, para que o natal seja vivido em cada dia do ano e não apenas quando os comerciantes nos tentam seduzir, mesmo a nós pobres saduceus da atualidade com promessas de felicidade material que só aumentam o nosso servilismo perante os nossos verdadeiros donos, os bancos.

Só podemos dar aquilo que temos. E desenvolver uma atitude positiva é o primeiro passo para tornar este mundo um lugar muito mais habitável. A vida é bela? É, se assim o quisermos. Mas a verdade é que se pensa nos otimistas como um dos extremos da balança que tem no outro prato os pessimistas e no centro a virtude, ou seja, os ‘realistas'. Cada vez mais, no entanto, o otimismo é visto como o verdadeiro realismo: uma espécie de realismo emocional, que através de uma perceção positiva nos ajuda a ver a vida com outros olhos, e, graças a isso, a construir uma vida melhor.

"As pessoas otimistas são aquelas que acham que a vida vale a pena ser vivida". Mesmo que a nossa cultura permaneça mais adepta do noivado do sepulcro do que de um amor feliz, está nas nossas mãos lutar contra isso. Ser otimista não depende das circunstâncias, mas da atitude. Está cientificamente provado que as pessoas pessimistas têm probabilidades mais fortes de viver deprimentes, com uma saúde mais debilitada visto serem um tipo de pessoas que se desleixam na sua própria saúde. E com isto influenciar para uma morte precoce. Em contrapartida as pessoas que tem atitudes otimistas levam uma vida mais feliz, mesmo perante as desgraças são pessoas que conseguem rir e encontrar algo positivo e engraçado.

          PS: continuo ateu, apesar de tudo. Graças a deus… um bom natal a todos qualquer que seja a religião ou crença que partilham.

Para o Diário dos Açores e Diário de Trás-os-Montes

Chrys Chrystello, Jornalista

[MEEA/AJA (Australian Journalists' Association

Membro Honorário Vitalício nº 2977131, 1983-2018) carteira profissional AU3804]

 

 


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